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Mujica disse que a sífilis é evitável, o capitalismo por enquanto não – 16/05/2025 – Mario Sergio Conti

Comandante da guerrilha uruguaia, assaltante de bancos, enterrado vivo em masmorras por 13 anos —proibido de ler durante sete—, o “Dom Quixote disfarçado de Sancho” é tema de biografias, ensaios, relatos históricos, dezenas de livros. Ele mesmo não escreveu nenhum.

Como 99% dos políticos cucarachas —sobre todo los de acá—, Mujica era loquaz. Com o agravante de ter contraído na cadeia o vício de falar sozinho. Mas, ao ser solto, não soltou a voz nos palanques, como é de praxe com os milongueiros do caudilhismo.

Segue abaixo uma seleta das frases que falou. Elas revolvem a virada de um socialista na virada do século. Ao ascender ao poder, Mujica herdou a Queda do Muro, o féretro da ideia de revolução, a barafunda ideológica, a ruína da perspectiva socialista. Teve vitórias: a legalização do aborto, da maconha e do casamento dos de mesmo sexo.

Contudo, são crescentes as guerras, a deterioração ambiental, as massas miseráveis. Em tempos de capitalismo triunfante, Mujica foi um símbolo da esquerda. Mas símbolo do quê? De pragmatismo, de que outro mundo é possível, de resignação, de que não há mesmo alternativa?

“O único caminho para a libertação nacional e a revolução socialista é a luta armada” —aos 35 anos, em 1967, quando era Facundo, comandante dos Tupamaros.

“A coisa mais linda é entrar num banco com um Colt 45: todo mundo te respeita.”

“Não tenho vocação para herói. Na verdade, peguei vários anos de cana porque me apanharam; me faltou velocidade.”

“Não seria quem sou se não fosse a solidão da cela. Seria mais fútil, mais frívolo, mais superficial.”

“O problema é que o mundo é dirigido por pessoas velhas que se esquecem de como eram quando jovens.”

“Aprendemos que a luta do tudo ou nada é o melhor caminho para não mudar nada. A maior parte dos países que estão socialmente à frente tem uma vida política serena, de pouca épica, poucos heróis, poucos vilões” —aos 74 anos, em 2010, no discurso de posse na Presidência.

“Descobrimos que governar é bem mais difícil do que pensávamos. Que os recursos públicos são finitos e as demandas sociais infinitas. Que a burocracia tem vida própria e a economia tem regras ingratas, mas obrigatórias. Tivemos de aprender, com enorme dor e vergonha, que nem todos do nosso lado são imunes à corrupção.”

“Deveria eleger-se um comandante dos bombeiros para presidente; sua função mais importante é apagar incêndios.”

“Fui uma vez à Alemanha e me puseram num Mercedes-Benz. Só a porta pesava uns 3.000 quilos. Botaram 40 motocicletas na frente e outras 40 atrás. Fiquei com vergonha. Ficamos na casa para presidentes. Tinha quatro andares. Para tomar um chá você tinha de andar três quarteirões. Era totalmente inútil. Deviam transformá-la numa escola.”

“A sobriedade é uma forma de viver, uma luta para manter a liberdade. Se deixo que as necessidades se multipliquem ao infinito, tenho que viver para cobrir as necessidades e não sobra tempo para fazer o que me motiva. Pobre é quem precisa muito.”

“O homem deve superar o capitalismo, mas os caminhos que tentou foram de uma ingenuidade espantosa.”

“O capitalismo não é a solução, há que se buscar outra coisa. A América Latina não tem soluções, a América Latina procura. Pertencemos a essa busca.”

“Nada de colocar o Estado como patrão, porque já vimos esse filme. E nada de passar para o lado do capitalismo. Temos de achar outro caminho para chegar ao socialismo.”

“A sífilis é evitável; o capitalismo por enquanto não.”

“Confunde-se desenvolvimento com o fetiche de acumular coisas.”

“Não viemos ao mundo para desenvolver a economia, mas para sermos felizes.”

“Os ricos não querem mudar nada, os pobres não podem.”

“O que estou fazendo? Reinventando o capitalismo, mas não renuncio ao socialismo.”

“A sociedade uruguaia protegeu os funcionários públicos muito mais que os trabalhadores privados. Na crise de 2002-2003, quase 300 mil perderam o emprego e 200 mil tiveram redução de salário. Todos trabalhadores privados, todos.”

“Não quero nos chamar de latino-americanos porque não descendemos só de latinos. Somos descendentes de negros, povos indígenas, asiáticos. Somos descendentes de todos os pobres e perseguidos do mundo que vieram para a América sonhando com um futuro.”

“A religião é uma forma de consolo, não de transformação social.”

“O tango é pura nostalgia; do que se teve e do que não se teve. O tango é para quem aprendeu na vida a perder.”

“Sou um velho meio louco” —aos 89 anos, em novembro, na última entrevista.


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