Acometida pelo Alzheimer, num momento de lucidez, uma tia começa a fazer revelações a seu sobrinho. Entre poemas independentes que também compõem uma jornada, reprodução de documentos e resgates históricos, Bellé coloca em versos a brutalidade da marcha colonizatória no Sul do Brasil, especialmente no Paraná.
É um ciclo de violência que se perpetua e se torna mais complexo entre discursos que cansamos de ouvir ao longo da história, linhagens de ascendência e práticas estatais. O principal alvo dessa jornada é parte da terra Kaingang, um dos maiores povos indígenas do território hoje chamado de Brasil.
O leitor não deve se assustar com o subtítulo da obra, “M?nh fi nugror to v?sikã kãt?”, pelo contrário. “Retorno ao Ventre” é um livro bilíngue. O texto de Bellé foi vertido para o idioma kaingang por André Luís Caetano. Boa oportunidade para ter contato com outra língua presente em nosso país.
Uma poeta
E ainda aproveitando que a pauta é poesia, reforço a recomendação para que leiam a poeta brasileira que mais indico por aí. E seguirei recomendando sempre que puder. Adoro o trabalho de Cida Pedrosa, que em 2020 venceu o Jabuti de livro do ano com o primoroso “Solo Para Vialejo” (CEPE).
Tanto nesse título premiado quanto em “Araras Vermelhas” (Companhia das Letras), seu livro mais recente, Cida faz uma boa mistura de reminiscências de sua vida, elementos da cultura tradicional, traços da cultura pop e muito da história do Brasil. Assim, constrói em versos longas jornadas marcadas pela luta por direitos e dignidade, além de doses de festejos e alegrias.