Na coluna passada, escrevi sobre o começo do fim do Minhocão. O assunto gerou repercussão e decidi ler todos os quase mil comentários nas redes. Depois de um bom tempo, constatei o óbvio: todo mundo tem uma opinião forte sobre o Minhocão.
Quem defende a demolição, o faz sem ressalvas. Os que querem o parque, são irredutíveis. Motoristas lançam impropérios contra qualquer um que queira mudar suas rotinas. Há moradores da região que não querem mudança: aguentam o barulho diurno em troca do silêncio e do lazer noturno; e há os que clamam por mudança.
Comerciantes querem clientes de volta, com ou sem elevado. Há os que defendam a permanência do viaduto enquanto não se resolva a situação da população que ali montou suas barracas. Há os que peroram contra sujeira e risco de assaltos. Há os que são contra qualquer outra opinião, mesmo que ainda não tenham formulado a sua.
Pensando bem, é significativo que todos tenham algo a dizer sobre o elevado. Ele mexe com simbolismos. A cicatriz da década de 1970 mira num futuro que nunca chegou e oblitera um pedaço de nossa história. O monstro de concreto eleva os carros e rebaixa as pessoas.
Não imaginava voltar ao tema tão cedo, mas uma ação descabida da Prefeitura causou furor nessa semana. Equipes destruíram pedaços da calçada no trecho da Amaral Gurgel para abrir algumas poucas vagas de estacionamento. A coluna de Mônica Bergamo amplificou a repercussão de uma declaração do vice-prefeito, Mello Araújo, explicando que se trata de um teste para impedir a sujeira no canteiro central, ao lado de onde hoje estão barracas de pessoas em situação de rua. Foi a senha para ações públicas de vereadores, protestos de ciclistas, acusações de higienismo e reações de todo tipo.
O episódio enseja pelo menos duas reflexões incômodas.
A primeira é sobre gestão. Como o vice-prefeito (que assumiu a cadeira de prefeito durante viagem de Ricardo Nunes à Ásia) tem o poder de colocar em marcha um ‘teste’ tão anacrônico quanto esse sem consultar especialistas, conselhos e, pior ainda, os próprios técnicos da CET? Um relatório emitido pelo órgão dá conta de que o estacionamento em 45 graus no canteiro central atrapalha o trânsito e a fluidez dos ônibus.
A segunda reflexão é sobre a falta de projeto. Apesar do Plano Diretor ter estabelecido um prazo para o fim da passagem de carros no elevado, a Prefeitura postergou a organização de um debate digno. Há até um PIU (Plano de Intervenção Urbana) previsto, mas o site Gestão Urbana diz que ele está ‘suspenso ou descontinuado’. Não se imagina que um estacionamento no canteiro central faça parte de algum plano maior.
Enquanto cidades pelo mundo fazem projetos urbanos para reduzir a presença do automóvel, a Prefeitura de São Paulo se engaja numa empreitada que reduz a área de ciclovia, espreme pedestres e ainda ameaça a já difícil espera nos pontos de ônibus. Há bons técnicos, arquitetos e urbanistas na prefeitura. Por que eles não estão engajados em propor projetos e detalhar cenários para essa discussão?
Enquanto não vier acompanhada de projetos e de uma dose de bom senso, qualquer conversa sobre o Minhocão continuará a ser tão árida quanto essa intervenção desastrada. E continuará a gerar opiniões fortes.
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