Só a Prefeitura de São Paulo está satisfeita com as ciclovias da cidade. É esta a conclusão que se chega após ouvir as reclamações dos ciclistas paulistanos e as respostas da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Entre os ciclistas é praticamente consenso: Ricardo Nunes não está nem aí para a malha cicloviária. Abandonada, caótica, perigosa, violenta e desrespeitada. Esses são alguns dos termos usados pelos ciclistas para definir a qualidade da malha cicloviária paulistana ultimamente.
Já para a prefeitura, seu trabalho é irretocável. Em resposta às reclamações, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) diz que “não é factível falar de qualquer tipo de negligência da gestão municipal em relação às estruturas cicloviárias ou aos ciclistas. A cidade de São Paulo tem, atualmente, a maior malha cicloviária do país, com 767,7 km de extensão e que está em ampliação e passa por manutenções constantemente. O Plano de Metas da Prefeitura estipula como objetivo alcançar os 1.000 km de vias dedicadas aos ciclistas até 2028.”
O que a CET e a gestão Ricardo Nunes não dizem é que essa meta para 2028 já está quatro anos atrasada.
De acordo com a Meta 43 do Programa de Metas 21/24, assinada pelo próprio Nunes em 2021, quando foi alçado de vice-prefeito a prefeito após a morte de Bruno Covas (1980-2021), a prefeitura previa “implantar 300 km de estruturas cicloviárias” até o fim de 2024. A cidade, que tinha 699 km de malha cicloviária quando Nunes assumiu, chegaria a mil km dentro de seu primeiro mandato. Chegou a 745 km —apenas 15% da ampliação prometida, e com muitas falhas.
Tampouco se pode esquecer a Meta 39 do primeiro mandato de Nunes, que prometia reduzir o índice de mortes no trânsito de 6,5 para 4,5 por 100 mil habitantes naquele período. Ao invés de reduzir, Nunes deixou o índice saltar para 8,16 mortes por 100 mil habitantes em 2024.
Segundo o Infosiga, sistema estadual de monitoramento da letalidade no trânsito, 152 ciclistas foram mortos durante o primeiro mandato de Nunes, um aumento de 22,5% em relação a gestão anterior, que registrou 124 mortes durante os mandatos dos tucanos João Doria e Bruno Covas, entre 2017 e 2020.
Algumas dessas mortes ocorreram em vias onde Nunes havia prometido a ampliação da malha cicloviária dentro de seu Programa de Metas 21/24. Uma delas aconteceu em 17 de junho de 2022, quando a ciclista Kelly Pinto da Silva morreu atropelada por dois carros, aos 31 anos de idade, quando atravessava a ponte do Jaguaré. Para o local estava prevista uma ciclovia bidirecional que nunca foi construída.
Nas redes sociais se multiplicam denúncias feitas por ciclistas contra a gestão Nunes. Nos perfis dos coletivos Bike Zona Sul, Bike Zona Oeste, Bike Zona Norte, Bike Zona Leste e CiclocentroSP, as denúncias sobre ciclovias e ciclofaixas inexistentes ou que descumprem os padrões preconizados pelo manual da CET é imensurável.
O perfil Sai da Ciclofaixa, no Instagram, se tornou um repositório de flagrantes da incompetência do poder público em garantir a segurança dos ciclistas. Lá são publicados vídeos de diversos ciclistas que se sentem desprotegidos ou ameaçados ao utilizarem as ciclofaixas da capital paulista.
“A cidade está piorando muito. A CET e a Prefeitura de São Paulo não fiscalizam, não multam nem educam os condutores de carros e motos que invadem as ciclofaixas. Desta forma, muitas pessoas perdem o respeito pelos ciclistas”, diz o administrador do perfil, que pede anonimato.
Em outro perfil no Instagram, o Delivery Sem Fumaça, criado pelo ciclista entregador Daniel Freitas, 38, estão centenas de vídeos que mostram ciclofaixas esburacadas, mal sinalizadas e, principalmente, invadidas por motociclistas e motoristas.
“Quando você vira ciclista, acaba descobrindo que dá para viver a cidade sem gastar um centavo com transporte”, conta Freitas, que deixou de usar carro há 15 anos. “Com a bicicleta perde-se menos tempo no trânsito e vive-se mais saudável. Mas ao mesmo tempo a gente vê o Estado com essa mentalidade que prioriza o carro. É assustador”, diz. “Filmo diariamente os meus percursos e tenho muitos registros de agentes da CET prevaricando, sem autuar motoristas e motociclistas que circulam ou estacionam sobre as ciclofaixas”, completa.
Em resposta, a CET diz que, “quanto à fiscalização da conduta de motoristas e motociclistas que desrespeitam a exclusividade das estruturas cicloviárias para o trânsito de bicicletas, cabe esclarecer que, somente em 2024, foram lavrados mais de 7 mil autos de infração respectivos ao trânsito ou estacionamento irregular de veículos, incluindo motocicletas, em estrutura viárias destinadas às bicicletas. Apenas nos três primeiros meses deste ano, quase 2 mil autuações já foram realizadas.”
Nesta terça-feira (29), os maiores veículos de imprensa do país deram destaque para a perturbadora notícia da demolição da ciclovia e da calçada do Minhocão, dada em primeira mão pela Folha um dia antes.
A medida, determinada pelo vice-prefeito, o Coronel Mello Araújo (PL), prevê um bolsão de estacionamento de carros no local.
Segundo o Jornal Bicicleta, uma manifestação contra a demolição da ciclovia está programada para o início da noite desta terça-feira. Ciclistas vão se concentrar às 19h na Praça do Ciclista (avenida Paulista) e de lá seguirão até a esquina da rua Amaral Gurgel com a rua Major Sertório (centro), local da obra, onde devem chegar às 20h.
“O projeto é ilegal, higienista e um retrocesso para a cidade”, diz o chamado dos manifestantes.