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Semana dos presidentes exibe feridas que não fecham no Brasil – 26/04/2025 – Alexandra Moraes – Ombudsman

Não foi uma semana qualquer. Se a morte do papa já a tornaria única, calhou também de abrigar uma conjunção relativamente rara: ao mesmo tempo, o atual presidente, Lula, e os ex-ocupantes do cargo Jair Bolsonaro e Fernando Collor de Mello dominavam os ciclos noticiosos em circunstâncias diferentes.

A prisão de Collor, determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, trouxe de volta a ação vintage da Lava Jato. Já o presidente Lula encara um escândalo no INSS de fazer lembrar a finada Jorgina de Freitas.

O problema da Previdência vem numa teia que teria começado a ser confeccionada em 2016, segundo a investigação, e juntava ao noticiário o nome de mais um ex-presidente: Michel Temer. Este, no entanto, acabou deixado para lá na cobertura. O esquema cresceu em 2019, sob Bolsonaro, disparou em 2023, já com Lula, e conseguiu ainda mais que dobrar de tamanho no ano passado.

Mas há outros sujeitos de importância fundamental na história, responsáveis por “movimentações políticas no Congresso que impediram o endurecimento de regras para barrar débitos ilegais”, informou a Folha. Escondidos sob o nome coletivo do Congresso, os artífices da medida que permitiu a roubalheira permanecem abaixo do radar.

O governo atual, que fatalmente foi para a vitrine, também conta com alguma benevolência. Na quarta (23), as notícias ao mesmo tempo afirmavam que Lula havia ordenado a demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e também que este havia se demitido. Ou que Stefanutto havia deixado o cargo “após ordem de Lula”. A diferença entre pedir demissão e ser demitido estava na hesitação (ou insubordinação?) do ministro da Previdência, Carlos Lupi, mas isso foi tratado como algo menor.

As ligações entre Stefanutto e Lupi e a presença de um irmão de Lula na vice-presidência de uma das associações investigadas também demoraram a aparecer na Folha.

A principal questão, porém, não dá mostra de que vá ser facilmente resolvida. Como os aposentados conseguirão reaver o dinheiro que terminou em coleções particulares de joias, Ferraris e Rolls-Royce? E qual é o tamanho real do esquema? Até onde vão os envolvidos nele?

A cobertura é digna de morte do papa pelo tamanho da fraude e pela leniência que tornou possível seu crescimento vigoroso. O problema, porém, é que jornal é jornal: dois dias depois do estouro do escândalo, a prisão de Collor e a comitiva de Lula em Roma já ofuscavam o INSS.

O mesmo não se abateu sobre Bolsonaro. Depois de sua mais recente cirurgia, a cobertura do estado de saúde do ex-presidente ganhou espaço fixo. Faz sentido, afinal de contas, monitorá-lo. Mas, além de noticiar os boletins médicos e visitas, o jornal reproduzia imagens escolhidas para as redes sociais do paciente.

Uma delas era repetida com mais frequência não só pelo próprio ex-presidente mas também pela Folha e por outros jornais: Bolsonaro fotografado de cima, de óculos e com seu cateter de nutrição parenteral, sem camisa e com eletrodos no peito. Em dez dias, houve 19 publicações na Folha sobre o ex-presidente na UTI, metade delas com a tal imagem –mesmo depois de ele já ter aparecido de roupa. Neste sábado (26), somou-se mais uma à lista.

Assim como Bolsonaro, também as movimentações eram monitoradas e mantinham o foco no ambiente hospitalar. Ficamos sabendo de uma entrevista ao SBT com íntegra de 37 minutos de duração, das visitas do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e do pastor Silas Malafaia, de uma live “promovida pelos filhos de Bolsonaro para vender capacetes de grafeno”.

A hiperatividade na UTI culminou com a ida de uma oficial de Justiça para levar intimação, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, sobre o início do processo em que Bolsonaro é acusado de tentativa de golpe de Estado. O ex-presidente divulgou vídeo da visita da servidora pública.

Alguns leitores viram exagero do jornal na reprodução das fotos de Bolsonaro e no destaque dado a ele, já que mostrar reiteradamente a imagem do ex-presidente fragilizado atenderia a uma narrativa útil ao bolsonarismo.

O jornal de fato não parece ter dedicado muito tempo a refletir sobre o que mostrar ou não. Uma galeria convidava: “Veja fotos de Bolsonaro internado publicadas em suas redes sociais”. O título era mal formulado e de mau gosto —um mau gosto também jornalístico, dada sua pobreza informativa.

Dias depois, o enunciado ganhou alguma substância: “Bolsonaro expõe sondas e cicatrizes durante sua internação em Brasília”, acompanhado de reportagem que se debruçava sobre essa iconografia hospitalar. Foi a ocasião, porém, para reproduzir mais uma foto divulgada por Bolsonaro —dessa vez sem camisa nem curativo, só com uma enorme costura abdominal.


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