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Se camisa for vermelha, verei jogos em preto e branco – 04/05/2025 – Becky S. Korich

Depois do alvoroço com o anúncio do novo uniforme vermelho da seleção para a Copa de 2026, a CBF finalmente quebrou o silêncio. Em nota, disse que a informação divulgada pelo site Footy Headlines não era oficial, assim como as camisas vermelhas que circularam nas redes sociais. A entidade máxima do futebol brasileiro garantiu que manterá os padrões das cores amarela e azul e informou que a nova coleção de uniformes para o Mundial de 2026 “ainda está em fase de definição” —e será criada em conjunto com a Nike. Ao que tudo indica, a CBF amarelou, literalmente. A informação de que a camisa vermelha era fake … é fake. Bem-vindo ao metaverso da CBF, onde a seleção é uma marca, o torcedor é o cliente e a alma que vale é a do negócio, não a do brasileiro.

O pronunciamento foi “fofo”, com cara inocente e, convenhamos, um tanto vago. A CBF esperou a repercussão (negativa) para declarar que a notícia era especulação. Tipo: “Just do it. Se der ruim, a gente dá um jeitinho”. Bem ao estilo Gerson. Foi mais um golpe no espírito coletivo de uma nação já bastante desidratada de símbolos e esperanças.

Não demorou para se revelar o óbvio: sim, a camisa já estava definida. A um ano da Copa do Mundo, não tinha como ser diferente. Uniformes não brotam na véspera, existe todo um processo logístico, da escolha do tecido ao bordado, o que leva tempo. O problema é que a imagem da camisa vazou antes do release e a opinião pública estragou a “surpresa”.

A polêmica engajou. Choveram opiniões e muitas certezas. Há quem diga que foi gesto político. Outros juram que foi jogada de marketing do consórcio Nike-CBF. Ou, ainda, uma cortina de fumaça para abafar o escândalo do INSS. Talvez seja tudo isso ao mesmo tempo. Nada na CBF é transparente, exceto o empenho em lucrar.

Por outro lado, há quem banalizou: é só uma camisa, gente! Não, uma camisa da seleção nunca é só uma camisa. É símbolo, é memória, é cicatriz. Dentro das nossas cores tem história, tem Pelé, Garrincha, a lindeza do Raí, pênaltis perdidos, o “vai que é sua, Taffarel”, o 7 a 1, a bicicleta do Richarlison, as rasteiras no Neymar, vozes roucas de tanto gritar, ruas vazias, cidades suspensas, a av. Paulista em festa. O vermelho da ex-nova-camisa é apenas um reflexo. Reflexo do rubor na cara de quem ainda acredita que a CBF representa o futebol brasileiro e está do lado do torcedor, e não uma confraria de executivos tentando transformar o futebol em produto e a paixão popular em ativo de mercado.

As cores verde, amarelo, azul e branco não só compõem a nossa bandeira, são o RG da identidade coletiva. Já o CNPJ… é a CBF, que opera em regime de lucro presumido, com seu modelo de negócio burocrático e opaco. A tentativa de tingir a camisa da seleção de vermelho é mais um sinal claro de que a entidade perdeu qualquer conexão com o torcedor.

Para mudar a cor da camisa, só se mudarem antes o suor que ela carrega. As nossas cores são cláusulas pétreas tatuadas na alma do Brasil. Resistiram a mudanças de Constituições, reformas de leis, troca de cartolas, e continuam vibrantes. A ordem é essa: a camisa tem que acompanhar o Brasil, não o inverso.

Se tudo der errado e o uniforme for mesmo vermelho, assistirei aos jogos em uma televisão preto e branco, e a camisa terá a cor que eu quiser.


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