A morte do papa Francisco causou uma onda de tributos globais, mas na China a reação foi curiosamente fria. Com quase um dia de atraso, Pequim se limitou a uma breve declaração de condolências, que reafirmava as “relações construtivas” com o Vaticano. É um atestado claro da complexidade das relações sino-vaticanas, que têm uma história longa e repleta de tensões, muito anteriores ao regime atual.
A presença cristã na China remonta ao século 7, com os nestorianos, e posteriormente com os jesuítas no século 16, que tentaram adaptar o catolicismo à cultura chinesa. O trabalho do missionário italiano Matteo Ricci, que se aproximou da elite intelectual chinesa, foi um exemplo da tentativa de dialogar com a China desde os tempos imperiais (aos curiosos, a Companhia das Letras já publicou no Brasil o excelente “O Palácio da Memória de Matteo Ricci”, de Jonathan Spence, sobre o tema).
No entanto, a relação tornou-se difícil com a ascensão do Partido Comunista, que, em 1949, iniciou um controle absoluto sobre as religiões, criando a Associação Patriótica Católica Chinesa, forçando fiéis a se submeterem à autoridade estatal e marginalizando a figura do papa. Foi a gota d’água para a Santa Sé, que ameaçou excomungar quem se engajasse com o regime comunista, culminando na expulsão da igreja em 1951 —banimento que duraria longos 30 anos.
Até hoje, a Santa Sé mantém relações formais com Taiwan, ainda que o pontificado de Francisco tenha procurado superar essa divisão histórica. Em 2018, foi assinado um acordo provisório que buscava resolver a questão da nomeação de bispos, já que Pequim se recusava a reconhecer a autoridade de clérigos escolhidos pela Igreja. Embora diplomático, o texto final gerou críticas de figuras internas que acusaram o papa de ceder demais à China.
A sinicização das religiões, a imposição de doutrinas alinhadas ao Partido Comunista e as perseguições a clérigos e fieis ainda persistem, deixando a liberdade religiosa um desafio contínuo.
Agora, com o conclave à vista, o futuro das relações com a China dependerá da escolha do novo pontífice. O cardeal filipino Luis Antonio Tagle, com sua ascendência chinesa e sua longa trajetória no Vaticano, tem despontado como um dos favoritos. Sua compreensão das realidades asiáticas poderia facilitar um diálogo mais aberto com Pequim, e a eleição de um papa asiático representaria um passo estratégico: ele estaria melhor posicionado para negociar com a China, sem as barreiras culturais que um líder ocidental enfrentaria.
Contudo, o sucessor de Francisco terá grandes desafios. Embora o acordo com Pequim tenha sido um avanço, ele não alterou significativamente a realidade da repressão religiosa. O regime chinês ainda exerce um controle rigoroso sobre as práticas religiosas, e bispos leais ao papa continuam a ser perseguidos.
Será preciso mais do que um punhado de palavras no papel. O próximo pontífice precisará manter um delicado equilíbrio entre a diplomacia e a defesa dos princípios fundamentais da Igreja, como a autonomia do clero e a liberdade de culto. Caso contrário, a Igreja Católica na China continuará a viver sob a sombra de um regime que limita sua liberdade de ação.
A diplomacia de Francisco com Pequim não produziu frutos esperados e a falta de liberdade religiosa na China não pode ser ignorada em nome do diálogo. O eleito pelo conclave terá que decidir que tipo de igreja quer construir em um país onde a fé e o controle estatal continuam em choque.
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