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‘Que país é esse?’, diz ministra do STJ sobre ação que pedia fralda para criança autista – 20/05/2025 – Vidas Atípicas

“Que país é esse? Em que uma mãe precisou entrar na Justiça para pedir fraldas para um filho autista? E ela não só entrou na Justiça — quando deveria ser um requerimento na UPA do bairro, deferido imediatamente –, ela teve que entrar na Justiça na primeira instância, na segunda instância e no STJ […] Que país de tristeza infinita que tem na sua Constituição que essa criança é prioridade absoluta, e ela não tem fralda.”

Essa foi uma das falas da ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), durante o 1º Simpósio STJ Autismo e Justiça, nesta terça-feira (20), ao comentar sobre uma decisão judicial envolvendo uma criança de cinco anos com o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A ministra pontuou que a lei que consolidou direitos dos autistas é muito recente — a Lei Berenice Piana, de 2012. A lei, segundo ela, confirma “o que a Constituição desde 1988 já falava”. “Mas a lei veio para dizer: ‘Olha, pessoal, criança autista é criança também, tá? Então, ela tem direito a dignidade, saúde, alimentação, escola'”, provocou a ministra. “Adiantou a lei? Não, não adiantou, está aí a pessoa que veio pedir fralda.”

A ministra continuou: “Não há força maior no mundo — essa não é uma frase minha — do que uma ideia cujo tempo chegou. E a ideia de que o filho dos senhores e das senhoras merece dignidade, respeito, fraternidade, educação, saúde, alimentação já esta na Constituição desde 1988”.

O simpósio ocorre seis meses depois de um ministro do STJ, Antonio Saldanha, ter proferido falas absurdas sobre autistas e sobre terapias comportamentais usadas por autistas (a ABA). Em uma palestra, Saldanha comparou as muitas horas de terapia a um “passeio na floresta”.

“Para os pais é uma tranquilidade, saber que seu filho que tem um problema vai ficar de seis a oito horas por dia numa clínica, com gente especializada, passeando na floresta, mas isso custa”, disse Saldanha à época, o que gerou uma onda de protestos da comunidade autista.

O caso foi arquivado, no mês passado, pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, que encerrou o simpósio desta terça, compartilhando que tem uma sobrinha autista e que acompanha, há 18 anos, os muito desafios relacionados ao espectro.

“Cada pessoa do espectro autista que encontra barreiras ao acessar o sistema de Justiça é uma lembrança dolorosa do quanto precisamos avançar. A Justiça não pode ser apenas um conceito abstrato, ela precisa se materializar em ações concretas, em atendimentos humanizados, em decisões que considerem as particularidades de cada indivíduo”, disse Campbell no evento.

Em uma fala de abertura, o presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, destacou três grandes obstáculos que ele vê para autistas e seus familiares: o desconhecimento, a indiferença e a discriminação. E afirmou que pretende que o simpósio seja um evento anual.

Barreiras nos planos de saúde

A ministra Teixeira tocou em outro ponto central do debate atual: a batalha dos usuários de planos de saúde com as operadoras para garantir acesso às terapias. Antes de entrar na explicação sobre o duelo entre o rol taxativo e o exemplificativo, Teixeira afirmou: “STJ, lembrem que vocês puseram uma placa ali na porta ‘tribunal da cidadania’; não está escrito ali tribunal da livre iniciativa”.

Nessa mesma linha, o juiz Luís Fulgoni, autista, defendeu que, nessa briga, a legislação brasileira já tem um lado. “Lógico que a inclusão tem seus custos, ninguém está dizendo que não tem. Só que, quando você está diante de cobertores curtos, você tem que fazer escolhas. E, quando tratamos de crianças, a escolha já foi feita pelo poder constituinte: prioridade absoluta.”

Em sua fala, o juiz contou sua história pessoal até chegar à magistratura e lançou uma pergunta ao público: “O acaso me trouxe até aqui, mas até quando? Hoje, com o arcabouço constitucional que temos, até quando nossas crianças serão submetidas à sentença do acaso?”.


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