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Por que mães e pais são os principais agressores das crianças? – 29/04/2025 – Mirian Goldenberg

Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais revelou que o Brasil vem registrando indicadores alarmantes de violência praticada contra crianças.

Em 2022, foram notificados quase 39 mil casos: 21.462 entre as meninas e 17.437 entre os meninos. A maioria das vítimas foram crianças de 2 a 5 anos (39,4%). A residência foi o local de ocorrência mais frequente (88,3%). Os principais agressores foram a mãe (51,7%), o pai (40%), o padrasto (6,2%) e algum conhecido (8,5%). O tipo de violência mais frequente foi a negligência (50,7%), a violência física (23%) e psicológica (14,5%). Os meios de agressão foram espancamento (21,1%), ameaça (7,7%), objeto quente (3,4%), objeto contundente (2,5%) e perfurante (1,65%).

Em um momento em que tantos pais e mães estão impactados com a série “Adolescência”, penso nas crianças que sofrem, como eu sofri, a violência física, verbal e psicológica dentro das próprias casas e famílias.

“Você é uma bosta. Não serve para nada. Nunca vai ser ninguém na vida”, foram os gritos que mais escutei na infância.

Aos 16 anos, saí de Santos para morar sozinha em São Paulo, comecei a escrever meus diários e li, pela primeira vez, “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir.

Sem ter consciência da minha própria determinação, força e coragem, dei os primeiros passos para me libertar de um inferno violento e miserável afetivamente.

Muitas décadas depois, no dia 8 de março de 2024, Dia da Mulher, ganhei o mais belo presente que uma menininha apelidada de Olívia Palito poderia receber em toda a vida. A Turma da Mônica, do Mauricio de Sousa, me escolheu como a primeira representante da Mônica 60+.

Por que eu, uma menininha magrinha e invisível, fui escolhida para representar a menina forte e corajosa que enfrentava todos os meninos da rua com seu coelhinho Sansão?

Foi então que tive uma pequena epifania: desde muito cedo, eu também enfrentei todas as adversidades, obstáculos e desafios que surgiram na minha vida. Mas, em vez de um coelhinho de pelúcia, sempre tive meus cadernos e canetas para me defender dos monstros assustadores que sentiam um prazer sádico em me torturar.

Quando descobri que não sou apenas a menininha triste, mas também a Mônica 60+, comecei a me transformar na mulher corajosa que sempre desejei ser, apesar de ainda ouvir meu pai gritando: “Você é uma bosta. Nunca vai ser ninguém”.

Meu pai morreu há mais de 30 anos, mas seus gritos, ameaças, espancamentos e xingamentos continuam morando dentro de mim.

Poucos dias antes de morrer, com lágrimas nos olhos, meu pai me disse: “Filha, olha para mim, eu estou morrendo. Agora, você é o homem da família. Eu fiquei conhecido em Santos, mas você ficou conhecida no Brasil inteiro. Você me superou. Você é gigante”.

Meu pai, meu pior algoz, acabou se tornando, no fim da sua vida, meu melhor amigo. Finalmente, ele reconheceu que nunca fui uma bosta. Mas, até hoje, não consigo me sentir como o gigante que ele enxergou em mim. Será que, algum dia, vou conseguir tirar os óculos dos meus traumas emocionais e enxergar minha vida com os óculos da coragem?

Como escreveu Simone de Beauvoir, “toda dor dilacera; mas o que a torna intolerável é que quem a sente tem a impressão de estar separado do resto do mundo; partilhada, ela ao menos deixa de ser um exílio”.

Escrever sempre foi, e continua sendo, a minha salvação.


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