Um passageiro morreu nesta terça-feira (6) ao ficar prensado entre a porta da plataforma e o trem, na estação Campo Limpo, da linha 5-lilás. Relatos de passageiros nas redes sociais narram uma verdadeira cena de filme de terror. A realidade é implacável e muito mais assustadora do que a ficção.
A vítima foi identificada como Lourivaldo Ferreira Silva Nepomuceno, 35. Pelo horário do ocorrido, por volta das 8h, poderia ser um trabalhador. Ou um estudante. Ou uma pessoa passeando pela cidade. No fim – e infelizmente – era um número da multidão “trenziária”, como todos nós.
Nos comentários referentes à morte do passageiro nas redes sociais, há muitas críticas à forma como as pessoas se desesperam para entrar no vagão. Diante da superlotação diária no trem, a gente luta para entrar, luta para sair, luta para sentar e luta até para ficar em pé. Todo dia uma luta, todo dia um cansaço.
No amontoado de gente, os que chegam empurram porque precisam entrar. A cena se repete nas entradas de cada vagão. A disputa não é por assento, mas sim por um lugar menos desconfortável para permanecer em pé durante 1h de viagem ou mais. É triste, mas é um simulacro da vida.
Em meio a tantos medos, o maior deles ainda é o de perder o trem. Só quem já chegou atrasado mesmo saindo com duas horas de antecedência sabe o tamanho do constrangimento ou, então, do desconto na folha de pagamento no fim do mês.
Medo real que faz correr escada, contar os segundos para o bilhete passar a catraca, suar a testa e a camisa e desafiar os milésimos de segundos dos últimos “pipipis”.
A atitude dos passageiros é errada. Mas sejamos honestos: quem nunca fez isso que atire a primeira pedra. Ninguém quer perder o trem e, como diz a atriz e poeta Eliza Lucinda no poema “Passageiro do Último Vagão”, “calculei a vida pra não perder o trem. Fiz a conta: distância mais cidade partida do meio dá igual caminho andado em vão! Algum trabalho, só lá perto da lonjura, e todo dia acaba o pão. Minha vida foi de vagão em vagão até agora. Até que essa quase derradeira hora. E eu, toda vida, lutei para não perder o trem. Perdi a vida no trem“.
A pergunta que fica é: a tragédia do passageiro que morreu poderia ser evitada? No dia 24 de março, uma outra passageira ficou prensada em uma dessas portas – de segurança, diga-se de passagem – e o vagão, na Linha 2-verde do Metrô. O trem ficou parado e a mulher foi salva, sem nenhum ferimento.
O que fazer e a quem recorrer quando a falha termina em morte? Quem vai apoiar psicologicamente e financeiramente a família desta pessoa? Ou a vida – única e sem réplicas – é apenas um número, dentre outros acidentes sem rosto, sem história? A perda de um passageiro é a perda de toda uma população, que corre tanto para não perder o trem, mas, diariamente, perde um pouco da vida.
Um dia, caí no vão entre o trem e a plataforma da movimentada estação Barra Funda da CPTM, em São Paulo. Por sorte, uma mão me segurou e só ralei a canela. É preciso estar atento. Olhos, ouvidos, corpo: tudo em estado máximo de perigo.
As máquinas, no entanto, podem falhar. Os sensores podem não funcionar. Usuária de trem, metrô e ônibus, circulo a cidade imaginando o pior. Vivi um “arrastão” no trem. O típico “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. O trem parou e meu maior medo ao descer do vagão era ser esmagada pela multidão. Deu tudo certo, mas o episódio exigiu algumas sessões de terapia. “Eu não posso ficar traumatizada”, dizia à terapeuta. “Dependo do trem pra tudo”.
Ainda hoje, tenho receio de usar saias ou vestidos longos. A imagem da roupa enroscando-se na escada rolante permeia um lugar muito medonho da minha imaginação. São infindáveis as situações em que somos expostos diariamente, pelo simples fato de sair de casa para trabalhar, é verdade. No fim do dia, sinto como se tivesse corrido uma maratona. Ao chegar em casa, a sensação é uma só: sobrevivi.
Em nota, a Via Mobilidade se pronunciou:
É com profundo pesar que a ViaMobilidade confirma a morte de um passageiro após um acidente ocorrido por volta das 8h de hoje na Estação Campo Limpo, da Linha 5-Lilás. Mesmo após todos os alarmes visuais e sonoros, ele tentou entrar no vagão e acabou ficando preso no espaço entre as portas do trem e da plataforma. Neste momento, a concessionária busca confirmar a identidade da vítima para prestar suporte à família e já registrou Boletim de Ocorrência.
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