A eleição de Robert Francis Prevost, hoje papa Leão 14, gerou grande interesse por sua trajetória pastoral ligada ao Peru, um país com grandes desigualdades sociais. Nascido nos Estados Unidos e com mais de 40 anos de experiência no Peru, Leão 14 representa a continuidade de uma Igreja sensível ao Sul Global, aprofundando a mudança iniciada pelo papa Francisco. Do ponto de vista teológico, sua eleição reforça as mudanças no pontificado de Francisco (2013-2025), com ênfase na justiça social, ecologia integral e acolhimento dos pobres e excluídos, distantes de abordagens mais doutrinárias dos papas anteriores, como João Paulo 2º e Bento 16, que se focaram em ortodoxia e conservadorismo.
A proposta de Leão 14 está menos centrada no controle doutrinário e mais aberta ao diálogo com as periferias. Embora setores ultraconservadores o acusem de “comunista”, seu horizonte teológico é marcado pela Doutrina Social da Igreja, com uma renovada visão de misericórdia, acolhendo e descriminalizando grupos como os LGTBQIA+, criticando o neoliberalismo, aproximando-se das comunidades indígenas e apoiando uma Igreja sinodal. Isso o coloca como uma figura progressista em uma instituição tradicionalmente resistente à mudança.
Sua trajetória pastoral começou em Chulucanas, no Peru, onde chegou em 1985, após ser ordenado na Ordem de Santo Agostinho. Em sua missão, teve que apoiar a população após um dos maiores fenômenos de El Niño do século 20. Durante esse período, adotou posturas políticas, como o pedido de perdão, embora não formalizado, ao ex-presidente Alberto Fujimori pelos crimes de seu governo nos anos 1990. Sua sensibilidade com as populações mais vulneráveis de Chiclayo o levou a ser nomeado pelo papa Francisco como administrador apostólico da diocese, e posteriormente, bispo da cidade.
Leão 14 também se diferencia de Francisco em alguns aspectos pessoais, como seu interesse por futebol, especialmente pelo time local, Juan Aurich, e pela absorção do legado arqueológico e artístico da região, rica em vestígios das sociedades pré-colombianas e pré-incas. A pergunta que surge é sobre o tipo de liderança que a Igreja Católica precisa: ortodoxa e conservadora ou mais pastoral, dialógica e aberta às tensões do mundo contemporâneo?
Em um cenário global marcado pelo avanço do populismo religioso, pelo uso político da fé e pelas desigualdades sociais crescentes, Leão 14 terá um papel crucial como mediador e defensor dos vulneráveis, ampliando a legitimidade das políticas de inclusão social. No entanto, ainda existem tensões dentro da Igreja, com críticas ao crescimento de correntes conservadoras que manifestam intolerância e dogmatismo, além das igrejas neopentecostais associadas à teologia da prosperidade, que promovem uma visão individualista e meritocrática, muitas vezes oposta aos valores evangélicos de solidariedade.
Leão 14 não rejeita a pluralidade religiosa, mas alerta contra as formas de espiritualidade que se alinham com poderes excludentes e autoritários. O grande desafio que ele e a Igreja Católica enfrentam neste século 21 não é doutrinário, mas evangélico: como ser fiel à mensagem de Cristo em um mundo em rápida mudança. A continuidade do pontificado de Francisco oferece uma oportunidade para consolidar uma Igreja mais sinodal, ecumênica, samaritana e comprometida com os direitos humanos, permanecendo próxima aos povos do Sul.
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