A ascensão da China como grande potência manufatureira no mundo é comumente associada ao declínio da indústria nos outros países, sendo usada como argumento a favor da imposição de políticas protecionistas, como tarifas.
Para se ter ideia do que essa ascensão representa, a China produz cerca de 30% das manufaturas do mundo, ocupando hoje o primeiro lugar, que já foi dos Estados Unidos há apenas duas décadas. Depois que passou a integrar a Organização Mundial do Comércio, em 2001, a China se tornou o principal parceiro comercial de muitos países e desde 2009 é o maior exportador de bens do mundo.
Faz sentido que o aumento da competição dos produtos chineses gere impacto sobre o emprego no setor manufatureiro dos demais países. E os primeiros estudos sobre o então denominado “choque China” encontram resultados nessa direção, especialmente no curto prazo.
Neles, o aumento das importações de produtos chineses está associado ao aumento do desemprego, estando por trás de cerca de um quarto da queda do emprego no setor de manufaturas nos Estados Unidos. Nas regiões mais afetadas pela penetração das importações chinesas houve aumento das transferências assistenciais e de pagamentos de seguro-desemprego e aposentadoria.
Entretanto, os ajustes que acontecem no mercado de trabalho são lentos e não se limitam aos efeitos de curto prazo do emprego na indústria. A mais recente reavaliação dos efeitos do choque China considera outras margens, como a realocação dos trabalhadores para outros setores ou o surgimento de novas oportunidades de emprego para aqueles que estão ingressando na força de trabalho. Essas dinâmicas de ajustamento são observadas em horizontes de tempo mais longos, o que se tornou possível agora.
Dados recentes indicam que o choque China reconfigurou o mercado de trabalho americano de forma ampla, com importante realocação de emprego da indústria para os serviços. A maior parte ocorreu dentro das próprias empresas, com mudança de sua atividade principal da manufatura para serviços, em operações relacionadas ao comércio exterior, como pesquisa, gestão e atacado. Houve perda de empregos na indústria, mas ela foi mais que compensada pelo aumento do emprego no setor de serviços, que se expandiu.
Além disso, regiões mais impactadas pelo choque China foram capazes de criar oportunidades de emprego, atraindo mão de obra diversificada: de origem hispânica, do gênero feminino e mais escolarizada. A evidência aponta para a resiliência de longo prazo do mercado de trabalho, que eventualmente se recuperou, apesar de essas mudanças terem levado tempo para se materializar.
Os impactos do choque China também se manifestaram na maior variedade de produtos disponíveis para consumo, na redução dos custos de produção devido ao acesso a insumos intermediários mais baratos vindos da China e em menores preços finais. Levando em consideração todos esses efeitos, o ganho de bem-estar encontrado tem sido positivo. No líquido, a economia americana se beneficiou da maior competição dos produtos chineses.
Nesse sentido, preconizar o protecionismo para promover reindustrialização da economia como forma de compensar aqueles que perderam seus empregos é solução subótima. Com tantos ganhos sobre a mesa, a melhor forma de compensá-los passa pela redistribuição de parte dos ganhos para aqueles em que incorreram custos. Uma lição que fica também para o Brasil em seus planos de reindustrialização.
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