O que você estaria fazendo agora se a internet nunca tivesse chegado ao Brasil? Passando horas no telefone com aquele “paquera”, disputando quem desligava primeiro? Correndo para a locadora devolver “A Lagoa Azul” e implorando para não pagar multa por não rebobinar? Folheando a Barsa empoeirada para fazer aquele trabalho escolar? Ou simplesmente deitado no parque, vendo formas nas nuvens como fazíamos nos anos 80?
Essa transição do mundo analógico para o digital não só mudou nossos hábitos, criou novas realidades. Antes, perdíamos horas em filas de banco; hoje resolvemos tudo com um Pix. Esperávamos semanas para ver um filme na TV Globo; agora temos todo o catálogo da Netflix no celular. A internet nos transformou tão profundamente que grande parte do que pensamos, sentimos e acreditamos hoje está filtrado pelas telas.
Miguel Benasayag, filósofo argentino, alerta sobre essa substituição do “vivido pelo virtual”. Muito do que conversamos não vem mais de experiências reais, mas do que “vimos na internet”. Criou-se um imaginário coletivo digital que uniformiza pensamentos, especialmente entre jovens que muitas vezes reproduzem narrativas prontas em vez de criarem suas próprias ideias.
Claro que a revolução digital trouxe conquistas incríveis: informação democratizada, avanços médicos, educação acessível. Mas o progresso veio com um preço salgado: fake news, polarização tóxica, golpes financeiros, vícios digitais e uma epidemia de solidão em plena hiperconexão.
Bethanie Maples, pesquisadora de Stanford, revela um dado impressionante: quase 1 bilhão de pessoas já usaram chatbots como companheiros emocionais ou tutores digitais, principalmente na Ásia. Estamos cada vez mais substituindo interações humanas por relações com inteligências artificiais.
Eu, que vivi a era pré-internet e acompanhei cada fase dessa revolução —do barulhinho do modem discado ao “oh-oh!” do ICQ, dos blogs pessoais aos influencers do TikTok—, me pergunto: para onde vamos? Rumo a um futuro de maravilhas tecnológicas ou ao colapso social? A resposta está nas escolhas que fizermos como sociedade.
Enquanto isso, sugiro um exercício: hoje, por uma hora, desligue tudo. Sente-se no parque, olhe as nuvens e reflita. Amanhã, voltaremos todos ao nosso ritual digital de sempre —comentando, curtindo e compartilhando como fazemos há três décadas. Mas talvez, só talvez, com um pouco mais de consciência e esperança.
Pense nisso hoje. Porque a partir de amanhã, vamos todos esperar o conclave até ver a fumacinha branca. Aí, poderemos, juntos, entrar nas redes para comentar loucamente tudo o que achamos sobre o novo papa, expressando nossos sentimentos e opiniões para o mundo, como fazemos há trinta anos.
Salve a internet, em todos os sentidos.