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Odete Roitman prova que os 60 são os novos 60 – 02/05/2025 – Mariliz Pereira Jorge

Sim, estou obcecada por “Vale Tudo” e nem sou noveleira, mas para além da trama do século passado, que chegou com mais fôlego do que o triatleta Afonso Roitman, o que tem me seduzido é acompanhar o que mudou – e o que não mudou – de lá para cá. E, se tem algo que definitivamente não é mais o mesmo, é a representação de uma mulher que, oficialmente, já é idosa.

A Odete Roitman de Débora Bloch prova que os 60 não são os novos 40. O que precisa ser redefinido é a percepção da sociedade em relação a tudo o que se refere ao envelhecimento — a aceitação de que mulheres 50+ ou 60+, neste caso, não são uma samambaia murcha, sem viço, que se dedicam à família, à espera da morte.

Esperam tanto que mulheres maduras sejam assim que a escalação da vilã foi contestada por quem imagina que Débora Bloch é muito jovem para interpretar o papel que já foi de Beatriz Segall, que tinha 62 anos quando foi escalada — apenas um a mais do que a Odete de 2025. Para a época, era considerada uma senhora.

“Vale Tudo” não retrata apenas o rejuvenescimento físico de uma geração, mas também desafia questões morais e culturais. Até a vida sexual ativa, o interesse por homens mais jovens, a vaidade da Odete de 1988 eram características de desvio de caráter para uma sociedade que não concebia que uma “senhora” pudesse viver com liberdade e com tesão. As decisões da personagem, sempre pintada como egoísta e mesquinha — por delegar a criação dos filhos à irmã, fazer o que bem entende como profissional e como mulher — começam a ganhar outros olhares. Ela continua preconceituosa, manipuladora, mas será que não parecia ainda pior por ser uma mulher dona de si e “velha demais” para continuar socialmente e sexualmente ativa?

Os 60 da novela sinalizam o que é a tendência dos novos 60. Ninguém com juízo quer voltar a ser um trintão ansioso tentando provar que é inteligente, desejável, promissor e bom de cama — tudo ao mesmo tempo e com alimentação saudável. A nova geração que chegou aos “enta” não quer parecer jovem. Quer parecer viva. Não quer virar figurante da própria vida, apenas ter uma segunda temporada com orçamento maior e menos censura.

Envelhecer não virou um parque temático da felicidade. A gravidade existe, o metabolismo desacelera e o joelho parece um wi-fi com sinal fraco quando o tempo muda. O que está em questão são as expectativas de quem passa dos 50. Não queremos ser tratados como gente “em transição” entre a fase produtiva e o asilo. O etarismo está aí. Ainda é ousadia usar saia curta aos 47. Tarde demais para mudar de carreira aos 55. Parecer mais jovem ainda é considerado elogio, quando é muito mais interessante ser livre. A liberdade é o novo colágeno: levanta mais que lifting facial. O clichê do “envelhecer bem” não é só sobre corpo, é sobre repertório.

Odete Roitman, com seus 60 muito bem vividos por Débora Bloch, não é exemplo de virtude, mas é um retrato cruelmente honesto do incômodo que causa uma mulher que não pede licença, tem agenda cheia, opinião própria, libido ativa e zero paciência para agradar — e que agora nem pode ser chamada de velha, com a carga negativa atribuída pela maioria.


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