Uma Odete Roitman que não é feita de ferro e desmaia depois que o filho lhe faz as piores acusações. Lucimar, uma faxineira que toma consciência dos seus direitos e decide ir à Justiça para regularizar a pensão do filho. Vasco, um ex-porteiro que é viciado em aplicativos de bet (apostas online) e perde até o dinheiro que não tem. Aos poucos, a autora Manuela Dias vai deixando uma boa marca no remake de “Vale Tudo”, atenta a assuntos do momento.
Comecemos por Odete (Débora Bloch), a mais amada das vilãs. Depois de uma entrevista à Folha no ano passado em que dava a entender que suavizaria o ódio da milionária pelo Brasil, Manuela voltou atrás e manteve o desprezo da megera pelo país em que nasceu. No capítulo da última quinta, eis que do nada tivemos uma grande surpresa. Na melhor cena da novela, até agora, Afonso (Humberto Carrão) solta os cachorros pra cima da mãe, chamando-a até de câncer. Odete não aguenta, tem um troço e vai parar no hospital.
Se em outras cenas o discurso ambientalista e feminista da autora padece de uma certa mão pesada, ela foi certeira no capítulo seguinte à briga. “Eu não nasci pra ser mãe, Afonso. Talvez eu até tenha nascido pra ser pai. Um pai ausente, como quase todos. Um exemplo de sucesso, um provedor. E vocês iam me amar se eu fosse pai”, disparou a vilã na cama do hospital.
A fala feminista, que Gilberto Braga nem sonharia em escrever, ganhou mil elogios nas redes. Quem saiu mal na fita foi o príncipe herdeiro. “Quem começar a ver a novela nessa cena [da briga] vai achar que o Afonso era amante do personal, pra ficar tão furioso assim com a mãe”, escreveu um espectador. Explicando: o gatilho do conflito foi o fato de Odete levar o personal do filho para a cama.
BETS E PENSÕES
Mas a maior bola dentro até agora foi a história da faxineira Lucimar (Ingrid Gaigher), que, aconselhada pela amiga Daniela, entrou no aplicativo da Defensoria Pública para buscar informações sobre como exigir na Justiça a pensão que o ex-marido Vasco (Thiago Martins) nunca paga ao filho. Depois que a cena foi ao ar, os acionamentos aumentaram 70% na Defensoria do Rio e 57% na de São Paulo.
É o que se pode chamar de uma verdadeira ação social dentro da novela – e feita “organicamente” dentro da história, sem a mão pesada que uma Glória Perez costuma ter quando resolve chamar a atenção do público para causas nobres.
Por fim, depois de ser mero figurante nas primeiras semanas, o ex-porteiro Vasco, personagem sem a menor importância na versão de 1988, mostrou a que veio. Vasco é a súmula de muitos maus comportamentos de pais de família: além de não pagar pensão, bebe muito, troca os aniversários do filho por uma boa farra e —problema atualíssimo – é viciado em sites de bet pelo celular.
Mas a televisão é uma grande máquina de contradições. Enquanto a autora de “Vale Tudo” se preocupa com o endividamento de pessoas humildes em sites de apostas, enriquecendo gente já rica como Virgínia Fonseca e Galvão Bueno, a Globo segue aceitando fazer publicidade da Betano e outras casas de aposta nos intervalos para encher seus cofres. Para a emissora, quando o assunto é engordar a receita, vale tudo.