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O que a Virginia Fonseca não tem? – 15/05/2025 – Rosana Hermann

São Paulo

Ela tem mansões. Ela tem empresas e aviões. Ela tem centenas de milhões.

Ela tem um programa de televisão e uma família instagramável. Tem funcionários que a atendem a qualquer hora e lugar para que ela possa passar seus dias gravando vídeos e cuidando de seu corpo e sua imagem. E, sim, ela tem juventude, beleza, abdômen sarado e um shape que arranca suspiros até de seus biquínis. Ela tem mais seguidores que as populações da Austrália, Grécia, Portugal e Irlanda somadas.

Virginia Fonseca tem tudo o que o dinheiro pode comprar, tudo o que você possa imaginar, tudo o que milhões de seres humanos sonham em ser e ter. E ostenta tudo nas redes. E, a cada nova extravagância do capitalismo, justifica que mimou a si mesma, atribuindo a conquista ao Pai Nosso que está no céu, sem se importar com a parte de não usar seu santo nome em vão.

Ela também é estrategista e marqueteira e foi depor no Senado de cara lavada, óculos de grau, moletom gigante com estampa da prole, levando um copo pink com seu logo e fazendo cosplay de adolescente distraída, do tipo que chupa o microfone pensando que era canudo.

E mais: ela tem carisma, a ponto de fazer com que a relatora da CPI das Bets encerasse o depoimento se declarando convertida à sua seguidora. Ela tem fama, fortuna e sucesso.

Mas o que a Virginia não tem? Muita coisa também.

Ela não tem privacidade. Sua vida é um streaming contínuo, que confunde a linha do tempo natural com um feed de rede social. Ela não tem bom tom. No aniversário de 56 anos de sua mãe, escreveu uma mensagem de parabéns usando notas de R$ 100 para formar as palavras.

Ela não tem limite. Por isso foi massacrada na internet quando expôs fotos de seu bebê internado no hospital com sonda no narizinho. Mas tem algo que Virginia parece realmente não ter: lógica. Ela tentou dizer que os R$ 50 milhões do seu contrato para vender joguinhos de azar não representam muito diante do faturamento de 700 milhões de sua empresa. Mas se esse montante não é relevante, por que ela aceitou o contrato? Não tem lógica.

Também não teve lógica ela afirmar que “não havia um contrato da desgraça”, que faria com que ela lucrasse com o que os usuários perdem nos joguinhos viciantes. Mas como uma bet fatura? Pagando prêmios? Não! A bet fatura quando as pessoas perdem no jogo. É a lógica dos jogos de azar.

Virginia pode se fantasiar de criança, se fazer de desentendida, fingir demência, o que for. É lógico que ela sabe que as bets viciam, que milhões de brasileiros estão perdendo patrimônio, deixando de comer, fazendo dívidas absurdas porque estão viciados nos joguinhos que ela anuncia de forma estranha.

Sim, porque ela não respondeu se o jogo que ela joga em suas publis é em tempo real enquanto grava ou se é tudo gravado e aprovado previamente pelo cliente. Porque é lógico que uma empresa aprove o conteúdo antes de ir ao ar. É lógico que uma empresa que trabalha com jogos de azar não queira depender da sorte. É lógico que o exército de fãs de Virginia vai dizer que quem a critica tem “inveja”.

É muito mais fácil dizer isso do que admitir -apesar de não ser ilegal, é imoral- lucrar com a desgraça dos próprios fãs que perdem nos jogos que ela anuncia. Não culpo essas milhões de pessoas, de forma alguma. Entre elas, há muitos sem recursos, sem oportunidades que se projetam em Virginia, viajando com ela, sonhando ser ela. A ilusão pode ser um alívio para quem vive uma realidade difícil.

Diante dos exemplos recentes do papa Francisco e Pepe Mojica, torço mesmo para que Virginia, sua família e seus milhões de seguidores consigam conquistar uma vida digna e também a consciência de que vale muito mais deixar um legado para o mundo do que só uma herança para os filhos.

Torço para que a gente sempre lembre que as coisas mais valiosas dessa vida são aquelas que não estão à venda, como a empatia, o amor ao próximo, a ética, esses valores que não estão no imponente closet de Virginia, que é maior do que a casa de milhões de pessoas, brasileiros que desistiram de buscar seus próprios sonhos e se dedicam a enriquecer a influenciadora para que ela alcance seus sonhos.


Rosana Hermann é jornalista, roteirista de TV desde 1983 e produtora de conteúdo