A revisão bimestral das contas do governo foi uma bagunça. Fez a alegria de quem trata desse assunto chato e enrolado sem se ocupar de substância e efeitos econômicos, deitando e rolando na treta e na fofoca, em “bastidores”.
Sim, quem não gosta de Fernando Haddad no governo —um monte de gente— aproveitou a ocasião para fritar ainda mais o ministro. Sim, política de corredor de palácio tem certa relevância, mas a maior parte é espuma e não depende de fofoca, mas de problemas reais. O problema de fundo é que Luiz Inácio Lula da Silva não comprou nem o plano moderado de Haddad de fazer funilaria e pintura nas contas do governo, que precisam de troca de motor e de freio.
Além da fofoca e da rendição no IOF sobre fundos que aplicam no exterior, quase se esqueceu do seguinte e essencial:
- Diz-se que o governo anunciou contenção de gastos “maior do que a esperada pelo mercado” (o que em si já era meio bobagem) e “estragou tudo” com vexames no IOF. A questão é que essa contenção “maior do que a esperada” de R$ 31 bilhões virou pó ao se saber que o governo precisaria de mais uns R$ 20 bilhões, o que fez aumentando imposto por decreto (o IOF)
- Mesmo que venha a conter R$ 31 bilhões, o gasto do governo aumenta, por ora. A situação piorou, marginalmente
- A diferença entre o déficit previsto pelo Orçamento aprovado em março e o anunciado na quinta, na revisão bimestral, é de mais de R$ 66 bilhões. Como se previa, despesas estavam subestimadas (Previdência e benefícios sociais outros) e receitas superestimadas. Sem o IOF extra, é provável que o governo não cumprisse nem a meta relaxada do “arcabouço fiscal”
- Depois da mudança no decreto do IOF, a receita extra estimada é de R$ 39 bilhões por ano
- Parte gorda desse aumento de imposto joga areia no crédito para empresas e entre empresas, o que encarece e/ou reduz a produção. Segundo chutes informados, o impacto geral equivaleria a aumento adicional de 0,25 ponto percentual na Selic (ora em 14,75% ao ano). É um tico de arrocho adicional, mas não se faz política monetária com política tributária, bobice que circula por aí, inclusive no governo
- Mais rolo: o governo passa a tributar certas antecipações de recebíveis que não eram tidas como operações de crédito (são crédito, grosso modo, mas assim não eram consideradas pelo arranjo legal e por conveniências econômicas). Além de travar ou encarecer muito certas operações entre varejo e seus fornecedores, pode haver judicialização
- Mais rolo: bancos reclamam de que o crédito vai levar mais imposto, mas que financiamentos quase equivalentes no mercado de capitais, não
- Apenas com dois ou três exemplos, se nota mais incerteza e risco jurídico. Regras mutantes e dúvidas sobre a apropriação de ganhos são veneno econômico
- IOF é droga a ser usada com cuidado e moderação, nunca para arrecadação. Causa muita distorção, ineficiência. O governo recorreu a IOF extra porque pode decretá-lo, porque não consegue mais imposto nenhum no Congresso. Está no desespero; talvez relaxe um pouco se vierem receitas extras com petróleo, embora isso seja também remendo e Deus nos acuda
- Sem esse IOF, não há nem como manter o paciente em estado estável, embora crítico. Isto é, manter as contas no limite do “arcabouço fiscal”, insuficiente para evitar o crescimento ora sem limite da dívida pública.
Mais sobre o rolo do IOF nos próximos capítulos.
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