O caso envolvendo o padre Fábio de Melo, cuja queixa sobre o preço de um doce de leite resultou na demissão do gerente da loja, aconteceu há mais de uma semana e continua rendendo. Basta entrar no feed de qualquer rede social que o algoritmo vai entregar um conteúdo sobre o ocorrido.
Fui dormir vendo um apresentador criticando o padre, acordei com um vídeo do gerente demitido dando sua versão. Nas últimas 24 horas, o Google Trends mostra que as pessoas estão mais interessadas no padre Fábio de Melo do que no papa Leão 14.
O interesse se justifica. Vivemos mais horas no ambiente digital do que na realidade, a questão é polêmica e envolve uma figura pública famosa, o que gerou ataques de ódio a todos os envolvidos. E, como sabemos, quanto mais comentamos, mais o algoritmo prioriza o assunto.
E aqui estou eu dando mais um biscoitinho de opinião para o monstro dos feeds. Antes de padre, Fábio de Melo é um cidadão. E tem direito de consumir, reclamar do preço, chamar o gerente como qualquer pessoa, que pode ter problemas físicos e de saúde mental ou perder a cabeça e errar o tom ao interagir com qualquer pessoal. Não estou julgando a condição humana do padre. O problema é outro. Estou analisando a escolha que ele fez.
Padre Fábio resolveu sair da esfera de cidadão comum, lidando no um a um, ele e a atendente, ele e o gerente (que nem falou com ele diretamente, segundo o próprio), e postar para 26 milhões de pessoas. É muito poder de comunicação.
E, com mais poder, vem mais responsabilidade. Padre Fábio deveria saber que as consequências seriam gigantes. Que um comércio pode ser arruinado diante de uma queixa unilateral de alguém com tantos seguidores. E que o medo do cancelamento poderia levar o dono da loja a demitir o elo mais fraco, o gerente que mal havia começado a trabalhar lá.
E ao postar, valendo-se desse poder de influência, ele despertou em todos a memória muito poderosa, do Velho Testamento, a história de Davi e Golias. Davi e Golias é a alegoria do pequeno contra o grande, do fraco contra o poderoso. E, como leitores, como pessoas comuns que não têm um exército de seguidores, nossa tendência é a de nos identificar com o mais fraco, com o gerente demitido.
Diante da repercussão, padre Fábio fez um post atribuindo os ataques que vem recebendo à polarização política e à consequente onda de ódio. Isso existe, sim, é uma chaga terrível dos nossos tempos. Mas é a revolta da injustiça contra os fracos que talvez tenha mobilizado tanta gente.
Não estamos mais em tempos bíblicos e sim na era digital. O gerente continua sendo pequeno como comunicador diante da influência do padre. Mas se cada um nas redes sociais atirar um comentário, como fez Davi, serão milhões de pedras a derrubar o gigante Golias.
Padre Fábio, combata o ódio com amor. Abra seu coração, reveja sua posição. Como dizemos nas redes, “me ajuda a te ajudar” e atire o primeiro pedido de perdão.