Tudo é relativo. O projeto de lei aprovado pelo Senado que restringe a publicidade de bets é preferível à situação atual, em que reclames correm soltos em TVs, rádios e internet, mas eu ainda acho que a versão inicial da proposta, que bania qualquer forma de propaganda, incluindo patrocínios, era melhor.
Não digo isso por moralismo. Defendo há décadas a legalização e a regulamentação do jogo, assim como a de drogas para uso recreativo. E é justamente desse paralelismo que extraio meu argumento antipublicidade.
Há uma diferença entre tirar drogas como maconha e cocaína da ilegalidade, tributá-las e regular as condições em que devem ser produzidas e comercializadas —passos que defendo— e estimular o consumo por meio da propaganda. Eu não gostaria de ligar a TV no horário nobre e dar com belas moças de biquíni anunciando as qualidades superiores de uma determinada marca de cocaína.
O mesmo vale para o jogo. Faz todo o sentido legalizar a atividade e internalizar a cobrança de impostos, em vez de deixar que ela seja capturada pelos países onde as bets tenham sede, mas não vejo nenhum bom motivo para autorizar a publicidade.
Nem penso que isso fira substancialmente o princípio da liberdade de expressão. A possibilidade de restrição à propaganda de produtos nocivos à saúde está prevista no artigo 220 da Constituição e é regularmente aplicada a fumo, álcool e medicamentos.
Até dá para discutir se o termo “restrições legais” usado na Carta é compatível com um banimento total ou se requer que operemos apenas com limitações. Mas, mesmo que se admita a leitura mais estrita, é fácil resolver. Basta circunscrever a propaganda a publicações especializadas, como fazemos com remédios, que só podem ser anunciados em revistas médicas. A Bayer e a Novartis convivem bem com isso.
Cérebros humanos são particularmente vulneráveis a estímulos supernormais como os proporcionados por drogas e jogo. É uma fragilidade irredutível. E não creio que seja ético explorá-la para ampliar lucros.
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