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José Antônio da Silva e Lucas Arruda têm mostras na França – 19/05/2025 – Plástico

É um caipira nos Alpes. Um século depois que Oswald de Andrade descreveu a então mulher Tarsila do Amaral como a “caipirinha vestida por Poiret”, lembrando o estilista preferido da modernista em suas festas em Paris, a França conhece José Antônio da Silva, outro artista do interior paulista redescoberto numa onda de arte naïf, primitiva, outsider, visionária, artista excluído do cânone, em suma, que varre o planeta.

Distante um TGV de três horas da capital francesa, Grenoble recebe agora, no quadro do ano do Brasil na França, cerca de 50 telas do artista que pintou as plantações de café e algodão paulistas, queimadas na mata, os rebanhos sob tempestade, alegorias religiosas e naturezas-mortas em chave surrealista, quase abstrata.

No Museu de Grenoble, uma construção pós-modernista rodeada pelos Alpes franceses, o diálogo das telas de Silva com figuras-chave do modernismo europeu é assombroso. Suas pinturas com pontos de fuga dramáticos, lavouras a perder de vista, construídas com toques firmes de cor, lembram o pontilhismo que marcou as experimentações cromáticas de artistas como Georges Seurat e Paul Signac, também no acervo ali. Lembram, mas não perdem para elas.

O universo visual arquitetado por Silva é de outra ordem cósmica, longe do retrato de costumes da burguesia francesa e enraizado num Brasil rural mestiço e sincrético, um espetáculo visual que os mais lisérgicos dos impressionistas franceses não puderam imaginar, nem mesmo Henri Matisse —ao lado das galerias dedicadas a Silva está uma obra prima do mestre das cores, “Intérieur aux Aubergines”.

O recorte enxuto, porém completo, da obra do brasileiro não deixa de lembrar ainda que, ao contrário de ser tão “outsider” como afirma a narrativa atual, Silva atingiu enorme sucesso crítico e comercial ainda em vida, participou da primeira Bienal de São Paulo e depois da Bienal de Veneza, na Itália, e acabou descartado.

Suas telas de protesto contra a mostra paulistana, aliás, dominam a primeira sala de sua aventura francesa. Quando o júri da exposição de 1957 não aceitou seu trabalho, a reação do artista foi uma série de obras radicais, uma delas um autorretrato em que aparece amordaçado e outra em que os críticos do momento são vistos pendurados numa forca, eles também calados.

Quem não viajar até Grenoble ainda vai poder ver —sem Matisse— a mostra de José Antônio da Silva no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre.

CHOVE CHUVA Mais “insider” do que nunca, Lucas Arruda é outro artista do país que conquistou a França, com uma mostra no Museu d’Orsay, a casa do impressionismo em Paris, e uma retrospectiva mais completa no Carré d’Art, em Nîmes, no sul francês onde é quase verão. Ele mesmo o colecionador de várias telas de José Antônio da Silva deixa claro ali a influência do mestre.

Suas pequenas tempestades em telas de atmosfera cheias de calma e fúria estão espalhadas por grandes galerias, num contraste entre o drama do clima e o minimalismo dos cubos brancos erguidos ali pelo britânico Norman Foster diante de um templo romano. É uma joia de exposição que só deixa nítido o talento absurdo de Arruda, arrebatador em cada gesto.

FLORES E TUBARÕES No Museu de Belas Artes, também em Nîmes, Marina Rheingantz põe em choque suas paisagens quase abstratas e naturezas-mortas, interiores e cenas religiosas. Uma das maiores artistas da cena atual usa a rica história da arte do acervo para traduzir as tensões de sua visão. Suas pinceladas calmas às vezes beiram a explosão, como flores que viram tubarões.


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