Pular para o conteúdo

Habemus mathematicum – 14/05/2025 – Ciência Fundamental

Há quem diga que algumas pessoas enxergam matemática em tudo —uma variante do chicoanysiano “só pensa naquilo”. Talvez seja verdade. Mas talvez a matemática exista em (quase) tudo mesmo. Há uns dias descobri que a eleição do 267º papa carecia de pelo menos 89 votos do colégio de cardeais. Pensei que seria engraçado se por acaso fossem necessárias três votações para eleger o papa. E por quê? Ora, simples: o número 267 se decompõem em números primos, de forma única, como três vezes 89.

E nessa brincadeira de procurar matemática nas trívias papais, lembrei do primeiro papa. No Evangelho de João, conta-se que Pedro foi recrutado por Jesus enquanto pescava. E o evangelista é preciso ao dizer que aquele que seria o primeiro papa pescou exatos 153 peixes. O que há de interessante no número 153?

Primeiro, trata-se de um número com três algarismos, que pode ser escrito como a soma dos cubos desses mesmos algarismos. Ou seja, 13+53+33=153! Apenas mais cinco números têm essa propriedade (quem se arrisca a descobrir quais são?). Outra propriedade curiosa desse número é que ele ainda pode ser escrito como a soma de todos os algarismos entre 1 e 17, condição bastante rara. E não para por aí: 153 ainda pode ser escrito como a soma dos fatoriais entre 1 e 5: 1!+2!+3!+4!+5! E, para finalizar, 153 é um número de Harshad: é divisível pela soma dos seus algarismos.

Estava às voltas com essas coincidências quando soube que, após quatro votações, o 267º papa havia sido eleito — com pelo menos 89 votos. E então veio a grande surpresa: Robert Prevost, eleito papa e nomeado Leão XIV, estudou matemática antes de se tornar um intelectual versado nos temas da teologia. Tomado pelo entusiasmo, lembrei que o primeiro papa norte-americano não era o primeiro matemático a ocupar o trono de Pedro.

No ano 999, Gerbert de Aurillac tornou-se o papa Silvester II. Nascido por volta de 945, Gerbert foi o primeiro papa francês e um intelectual bastante reputado. Ele estudava no mosteiro de São Geraldo, nos arredores de Aurillac. Lá pelos idos de 967, ao passar pela região o conde Borel II de Barcelona resolveu visitar esse mosteiro. De lá, levaria consigo o jovem Gerbert, que teria a oportunidade de estudar no vibrante universo intelectual do Al-Andalus, sob a tutela de Hatto, bispo de Vich.

Nessa ocasião, Gerbert entrou em contato com os algarismos arábicos e com a riqueza matemática da tradição de Al-Khwarizmi e Al-Kindi. Foi nesse ambiente que ele propôs a primeira versão do ábaco, um antigo instrumento de cálculo, que utilizava algarismos arábicos. Composto de 27 colunas, agrupadas três a três, seu ábaco permitia cálculos mais ágeis, tanto que seu primeiro biógrafo mencionou que era mais rápido alcançar um resultado nesse ábaco do que expressar o mesmo resultado em palavras.

De volta ao conclave dessa última semana, importa considerar o papel das probabilidades. Em muitas casas de apostas, o cardeal Prevost aparecia com pequenas chances de se tornar papa — algo como 1% ou 2%. E ainda assim foi o escolhido. Mais improvável seria existir um outro Robert Prevost, contemporâneo do atual papa, autor de um tratado que relaciona a teoria da probabilidade e a explicação teísta. E por mais improvável que seja, ele existe: não poucos colegas atribuíram ao novo papa a autoria de Probability and the Theistic Explanation, escrito por (outro) Robert Prevost e publicado pela Oxford University Press.

Quando pensamos que um papa matemático é uma novidade, temos de pensar duas vezes. Quando procuramos fatos curiosos sobre um número pueril qualquer, é difícil parar de escrever sobre ele. Quando tropeçamos em um livro sobre temas aparentemente tão improváveis, concluímos que só pode haver uma pessoa capaz de escrevê-lo, mesmo que a unicidade seja um fato tão raro. Mas a matemática é assim mesmo: escreve com suavidade por linhas irregulares.

*

Edgard Pimentel é professor do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra e pesquisador do CMUC.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, de apoio à ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.