Marcélia Cartaxo viveu um dos momentos mais especiais de sua vida quando ganhou um Urso de Prata, no Festival de Cinema de Berlim, por sua interpretação de Macabéa, a protagonista do clássico A Hora da Estrela, de Clarice Lispector (1920-1977). Agora, ela reencontra a obra da escritora de uma forma completamente diferente com Lispectorante, longa que chega aos cinemas brasileiros em 8 de maio.
Dirigida pela pernambucana Renata Pinheiro (de Carro Rei e Amor, Plástico e Barulho), a produção não é diretamente baseada em nenhum livro de Clarice, mas toma inspiração e conversa diretamente com o trabalho da autora.
A trama segue Glória Hartman (Cartaxo), uma artista madura que, passando por uma crise existencial e financeira, se muda para um prédio histórico no Recife onde Clarice morou durante parte da vida. Ali, ela encontra um universo de possibilidades que mesclam realidade e fantasia e a levam a uma jornada de reflexão e autoconhecimento.
“Esse projeto nasceu primeiro de uma personagem que tinha o hábito de observar o entorno da sua casa e tentar articular uma obra de arte a partir dessa observação, dessas vivências dela no entorno da casa dela”, explica Pinheiro. “Isso foi evoluindo para essa vontade de se aproximar do universo de Clarice Lispector, porque, afinal de contas, ela é uma escritora das mais profundas e conhecedoras do abismo interior que nós mulheres temos.”
“Era essa personagem com uma riqueza absurda de vida interior, aliada ao fato de que o Sérgio Oliveira [produtor e roteirista] foi por um outro motivo no bairro da Boa Vista, que é a parte antiga do centro do Recife, e se deparou lá com a casa de Clarice Lispector em ruínas. Ele voltou para cá e nós saímos juntando as peças e construindo esse projeto”, conta.
O longa apresenta algumas referências a livros de Clarice, como Restos de Carnaval e A Paixão Segundo G.H, mas a mais direta homenagem está na escalação de Marcélia: “É uma personagem que vem com o corpo e a aparência de uma personagem de Clarice, pelo menos muito associada por causa do cinema, e, ao mesmo tempo, uma atriz que mergulhou profundamente também nessa linguagem da autora. Foi uma tacada muito certa das duas vias.”

Marcélia Cartaxo é protagonista de ‘Lispectorante’, filme inspirado pela obra de Clarice Lispector Foto: Divulgação
A atriz topou de imediato interpretar Glória Hartman (“não por acaso G.H”). É da ideia da personagem de criar uma droga alucinógena chamada de Lispectorante que surge a parte surrealista do filme. Feita a partir de uma bombinha de confetes que explode, essa droga age “como se você expurgasse suas mágoas, seus traumas, seus problemas”, explica Pinheiro.
A personagem cria esse “mundo paralelo” após sofrer uma forte crise existencial. Pinheiro acha o filme se relaciona com o que foi proposto por Clarice justamente por mergulhar na psique de uma mulher madura. “Não é literal, é Clarice a partir de uma percepção sensorial da obra dela”, justifica a diretora.
Produzida pela Aroma Filmes e com distribuição da Embaúba Filmes, o filme ainda conta com Pedro Wagner, Grace Passô, Clara Pinheiro, Gheuza e Karina Buhr no elenco.