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Festa da Globo é uma surra de memória afetiva – 29/04/2025 – Thiago Stivaletti

São Paulo

Foi uma festa para lembrar pelos próximos dez anos, até a próxima comemoração. A Globo usou todo o seu know-how de grandes festas ao vivo que acumulou com anos de Criança Esperança, jogou uma pitada de Oscar e movimentou todo o arsenal de talentos acumulados ao longo de seis décadas para emocionar o espectador em casa.

No musical de abertura, inspirado em “La La Land” e nos musicais da era clássica de Hollywood, Eduardo Sterblitch lembrou com muita ironia que a festa era de todos: “quem não está contratado, quem é vitalício, quem é obra certa, quem é exclusivo, quem vai pro RH na segunda-feira, cuidado pra não entrar na geladeira!”. Desde a volta da democracia, a Globo sabe rir de si mesma.

Ninguém foi esquecido. Houve as justas homenagens ao jornalismo, ao esporte (Galvão Bueno fez falta), aos programas de auditório, aos programas infantojuvenis: um filme passou na cabeça de cada espectador ao ver Xuxa, Sandy & Junior, Angélica e sua Fada Bela de “Caça-Talentos”, Gil e o “Sítio do Pica-pau Amarelo”.

UNIVERSO EXPANDIDO DAS VILÃS

Mas as novelas, talvez o maior legado desses 60 anos de Globo, receberam atenção especial dos organizadores. Confesso que morro de medo de atores ou atrizes que encarnam seus personagens muitos anos depois – sempre pode dar ruim, e o fantasma da decadência pode gritar.

Mas os nove minutos de reencontros históricos das vilãs tiveram um roteiro inspiradíssimo, e cada estrela soube reviver sua malvada favorita como se suas novelas tivessem terminado ontem. Teve Carminha, Nazaré, Raquel, Cristina, mas teve principalmente Joana Fomm, brilhando aos 85 anos com um breve “revival” de Perpétua. Genial.

A festa ajudou a lembrar que a Globo herdou um bastão das TVs Tupis e Excelsior e soube manter viva a chama de um gênero que faz parte da vida de muitas gerações. A emissora sempre soube alimentar esse gênero popular com o melhor que o Brasil produziu na música e na literatura. Um belo clipe lembrou que Jorge Amado, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, Dias Gomes, Nelson Rodrigues (que inspirou até uma novela da emissora, “O Homem Proibido”), Ariano Suassuna e Machado de Assis ampliaram a sua penetração mesmo entre um público sem hábito de leitura graças à Globo.

AMOR E HUMOR

A excelência da emissora em reunir e potencializar o melhor da cultura do Brasil se fez presente em dois grandes momentos no final: Gilberto Gil cantando seu “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, que levou Monteiro Lobato a milhares de crianças; e Iza cantando “Gabriela”, sucesso que reuniu a voz de Gal, a letra de Dorival Caymmi e o livro de Jorge Amado numa das novelas mais icônicas da história.

Ainda que com um roteiro menos inspirado, a parte do humor valeu pela reunião de vários personagens de humor numa videochamada. Está morto por dentro quem não deu ao menos um sorriso ao rever Didi e Dedé, Caco e Magda, Seu Creysson, Chicória Maria, Tuco e Bebel, Solineuza, João Canabrava.

Os tempos são outros, e a Globo certamente não tem o poder e a influência de 30 anos atrás. Mas um legado é um legado. É sempre bom lembrar que, nos últimos 60 anos, um país de Terceiro Mundo como o Brasil teve a sorte de contar com uma emissora de TV de Primeiro Mundo. E se hoje ainda existe uma identidade brasileira que une um território tão vasto, a Globo tem imensa responsabilidade nessa construção.


Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow)