De quarto de hotel e apartamento, eu já desisti. E não foi por falta de busca. Desde fevereiro, procuro um quarto ou apartamento para alugar durante a COP em Belém mas, por esses dias, a cidade está pior do que Salvador no Carnaval ou Roma no velório do papa.
Tive a impressão de estar procurando um quarto em Tóquio. Tóquio no apocalipse. Cômodos minúsculos e lúgubres com reboco na parede saem por mais de R$ 1.000 a diária. Ou melhor, saíam, porque quando voltei para locar, não estavam mais disponíveis. Tentei descobrir se tenho algum primo distante em Belém com um sofá-cama: infelizmente os italianos da minha família não andaram por lá.
Nos últimos dias, surgiu uma nova possibilidade. Os motéis de Belém estão se preparando para locar suas suítes durante a COP. Já imagino a cena: o cientista, burocrata do clima, que costuma rodar o mundo em conferências e hotéis estilo business, encosta o terno e a gravata na janelinha da recepção. A funcionária, recém-treinada para atender em inglês, empurra uma chave por baixo do vidro: suíte Cleópatra, Sir.
Não é um encontro mundial do clima? Pois clima é o que não falta: o hóspede avançará por um corredor vermelho com fotos de nus artísticos, para finalmente entrar na sua suíte e jogar o corpo e a pasta de couro numa cama redonda, coberta por uma colcha de cetim.
Oh, yes, para o corte de metade das emissões até 2030! Oh, no, para o serviço de quarto, que lhe dará a orientação inesperada de retirar o seu club sandwich de uma gaveta no meio da parede. Ou para o espelho, que em vez de ficar na porta do armário, fica no teto, obrigando o hóspede a se deitar na cama para ajeitar a gravata.
Eu não me importaria nem um pouco em me apoiar num pole dance para levantar do meu leito. Por muito menos —uma transa em vez de um encontro mundial do clima– eu encarei motéis piores.
Acho, inclusive, que se os donos dos motéis de Belém entregarem as adaptações prometidas, as suítes serão um sucesso, uma marca registrada de uma COP única: na floresta, junto dos povos indígenas, num país que exala criatividade e libido, quando o mundo precisa tanto de criatividade e libido para acordar da apatia das redes e exigir mudanças urgentes, antes que o circo da humanidade pegue fogo de vez.
O problema é a diária das suítes dos motéis, que sairá em torno de R$ 4.000. Oh, no! E de quem é a culpa? Parece que do poder público, oh, yes, que ainda está devendo quase 14 mil leitos da meta prometida para o evento.
Claro que para os cientistas, diplomatas, governantes e outros crachás do gênero esse valor não será um problema. Para eles, haverá ainda outra possibilidade, uma gambiarra muito aprazível, se hospedar num navio, que ficará ancorado na cidade durante a COP para também minimizar a falta de leitos.
Mas um encontro tão importante, que carrega a missão de afastar uma ameaça existencial, não pode ficar restrito a portas fechadas. Uma das maiores preciosidades dessa COP é a já mencionada presença dos indígenas, além de ribeirinhos, ambientalistas, ativistas, moradores da região e mesmo de outros estados, que não têm crachá, mas muito o que oferecer em termos de troca de experiências e pressão popular. E essas pessoas precisam de uma suíte Cleópatra, Blue Orchid ou de um quarto qualquer para fazer o seu bendito check-in.
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