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E se o parlamentar é para lamentar? – 28/05/2025 – Sérgio Rodrigues

Uma velha máxima –feita metade de senso comum, metade de conformismo– sustenta que cada povo tem os representantes políticos que merece. Pode ser, mas o Congresso atual, fruto das jornadas politicamente disfuncionais de 2018 e 2022, tem se esforçado para dar a esse merecimento o peso de um castigo brutal.

Na terça-feira (27), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi submetida no Senado a ataques que, furos acima da média à qual nos habituamos na escala de indignidade do dia a dia, levaram-na a abandonar a sessão da Comissão de Infraestrutura e provocaram ondas de indignação também acima do padrão nas redes e na imprensa.

Todo protesto ainda parece pouco. A frase “Se ponha no teu lugar”, que o senador Marcos Rogério (PL-RO) dirigiu a uma mulher negra com o histórico de serviços prestados de Marina, referência mundial da luta pelo meio ambiente, tem tudo para ficar imortalizada na galeria brasileira da infâmia.

O que torna o episódio mais marcante é a perspectiva complexa do seu pano de fundo. Além da cordilheira de machismo, misoginia, racismo, truculência, covardia, arrogância, cinismo e outros vícios que compõem a paisagem brasileira desde a chegada das caravelas, o cenário da agressão coletiva à ministra inclui acidentes geográficos mais novos.

Um deles é tão profundamente relacionado ao caso que na verdade o explica, dando-lhe tinturas de escárnio: o catastrófico desmonte da legislação ambiental brasileira que o mesmo Senado, com a complacência do Executivo, acaba de aprovar.

O outro é mais sorridente e ilumina a sombria cena de terça-feira por contraste: duas semanas antes, no mesmo Senado, não foi menos vergonhoso o espetáculo de bajulação deslumbrada e bocó de uma “influenciadora” suspeita de lucrar com a ruína financeira de seus seguidores por alguns daqueles que, na CPI das Bets, deveriam investigar suas ações.

Some-se a isso uma longa fieira de descalabros políticos e morais do Congresso —com destaque para o orçamento secreto e o apoio à anistia de quem tentou acabar com a democracia entre 2022 e 2023—, e o trocadilho do título acima se impõe.

“Parlamentar pra lamentar” é um trocadilho infame? Talvez seja mesmo, o que não o impede de ser funcional. De todo modo, a má fama que cerca esse tipo maroto de jogo de palavras, também conhecido pelo clichê “a mais baixa forma de humor”, contém imensa dose de injustiça.

Além do fato evidente de que “a mais baixa forma de humor” é aquela que faz troça de quem é mais fraco para agradar os mais fortes, o trocadilho tem a seu favor a comunhão profunda com a língua em que mora, com um pé na forma e outro no conteúdo.

No livro “Como Aprendi o Português” (Edições de Janeiro), o erudito húngaro Paulo Rónai situa o trocadilho perto da poesia ao afirmar que ele, “como a rima, inspira-se em semelhanças formais para apontar ao espírito associações novas, às vezes apenas divertidas, às vezes, porém, espantosamente sugestivas”.

Infame, será? Cada um que escolha onde prefere ver a infâmia.


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