O mundo atravessa um ponto de inflexão. Democracias enfrentam desafios crescentes, o clima exige respostas urgentes, e modelos tradicionais de cooperação e filantropia são chamados a se reinventar diante das desigualdades complexas e persistentes.
Nesse contexto, emerge uma reflexão essencial: qual é o papel do investimento social privado na (re)construção de sociedades comprometidas com questões urgentes, a exemplo das emergências climáticas e da equidade racial?
O 13º Congresso Gife —que ocorre daqui a poucos dias, entre 7 e 9 maio, em Fortaleza (CE)— tem o propósito de colocar a democracia no centro do debate.
Com o tema “Desconcentrar poder, conhecimento e riquezas”, o maior encontro sobre filantropia da América Latina convida o ecossistema do investimento social privado a refletir sobre a contribuição do setor para a efetiva garantia de direitos e fortalecimento das instituições.
Para avançarmos nessa direção, uma possibilidade é integrar com mais intencionalidade a perspectiva da equidade racial aos investimentos e às estratégias de amplo apoio do investimento social privado. Não se trata apenas de “quem recebe” mas também de quem decide, lidera e efetivamente constrói soluções a partir dos territórios.
O Censo Gife 2022-2023 revela que apenas 26% das organizações respondentes têm pessoas negras em seus conselhos deliberativos e somente 17% do total de recursos do investimento social privado é gerido por elas.
Estudo inédito, consolidado ano passado pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas —a pesquisa “Olhares do ISP: reflexões e análises à luz do Censo GIFE“— também evidencia a concentração de pessoas brancas em espaços de tomada de decisão, como os quadros de lideranças executivas das organizações filantrópicas.
Porém, modelos inspiradores de uma mudança dessa rota vêm despontando. O Mês da Filantropia Negra, celebrado mundialmente todo mês de agosto, existe justamente para mobilizar doações e ampliar a visibilidade de iniciativas de organizações lideradas por pessoas negras.
Mesmo nos Estados Unidos, onde equivocadas e ultrapassadas decisões governamentais insistem em uma agenda de retrocessos, iniciativas como o Black Feminist Fund e o Decolonizing Wealth Project experimentam novos modelos de relação entre financiadores e movimentos sociais, alicerçados em confiança, escuta e horizontes de longo prazo.
No Brasil, experiências desenvolvidas por instituições associadas ao Gife, como os fundos Agbara e Baobá, Feira Preta e ID_BR (Instituto Identidades do Brasil), têm demonstrado que é possível fortalecer lideranças negras e coletivos periféricos com foco em autonomia e sustentabilidade.
Essas experiências nos lembram que a equidade racial pode ser lente valiosa para tornar a filantropia mais responsiva, inovadora e conectada às demandas da sociedade. Elas apontam para uma agenda de futuro em que a justiça racial não é apenas uma causa pontual, mas, sim, parte da infraestrutura necessária para a democracia florescer.
É tempo, portanto, de ampliarmos as reflexões para o efetivo apontamento de soluções às desigualdades: como o investimento social pode colaborar para um ecossistema mais diverso, inclusivo e potente?
Como podemos apoiar mais e assertivamente trajetórias que vêm transformando realidades nos territórios, com foco em dignidade, autonomia e visão de futuro? E como cada organização, dentro de sua realidade, pode refletir sobre o poder que tem e que também deseja compartilhar?
Democracias só se fortalecem quando acolhem todas as vozes. E a filantropia institucionalizada, com sua capacidade de experimentar, acreditar e catalisar mudanças, pode ser uma aliada decisiva na edificação desse percurso.
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