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Debates políticos só servem para converter convertidos – 05/05/2025 – João Pereira Coutinho

Foi milagre. Semana passada, assistindo a um debate político na TV, um dos participantes mudou de ideias ao vivo. “Você tem razão”, disse ele, depois de uma pausa de alguns segundos. “Pensando melhor, seus argumentos me convenceram.”

O outro, surpreso, respondeu: “Sério? É a primeira vez que isso acontece na minha vida”. No estúdio, todos riram.

Eu também ri, imaginando a cena, que nunca aconteceu. O responsável por minhas divagações mentirosas é o escritor Julian Barnes, que escreveu um breve ensaio a respeito: “Changing my Mind” (mudando de ideias).

Escreve Barnes, citando o artista Francis Picabia, que nossas cabeças são redondas para que nossos pensamentos possam mudar de direção. Mas quantas vezes isso acontece?

Em público, raramente. Nunca. Impossível. A cena televisiva que eu descrevi é pura ficção. Ninguém escuta argumentos, ninguém avalia o argumento do outro por seus próprios méritos.

Tudo o que temos são monólogos paralelos para converter os convertidos. Nossos debates são exercícios de dogmática muito semelhantes às brigas de galos. Vence quem dá mais bicadas no adversário.

Mas é possível mudar de ideias?

Julian Barnes confessa que mudou, até porque a mudança é involuntária. Nossas memórias, que julgamos fiéis, são sempre transformadas quando as convocamos para o presente. O que julgamos ter acontecido é, muitas vezes, uma construção posterior para tapar algum buraco ou alguma dissonância.

Concordo. Há episódios da minha infância ou da minha juventude que mudam de versão consoante as testemunhas. Lugares onde estive, mas não estive. Conversas que escutei, mas não escutei. Traumas que carrego, mas não carrego.

Nossa memória é um filme que vamos constantemente editando, ao sabor das conveniências presentes e dos temores futuros. A verdade, dolorosa verdade, é que nem o passado nos pertence por inteiro.

O que é válido para nós é válido sobre os outros. Meus juízos ou julgamentos sobre terceiros foram ficando mais modestos. Que sei eu da vida deles? Que sei eu da minha?

Mas não é preciso ser tão filosófico. Julian Barnes se ocupa das coisas singelas —palavras, política, livros, envelhecimento, morte— para fazer o catálogo das suas mudanças de opinião.

Gostei de saber que, entre os autores, o escritor inglês abandonou Bernard Shaw ou D.H. Lawrence —escritores que gostam de pregar os seus sermões— para revalorizar E.M. Forster ou Georges Simenon.

No meu caso, conservo ainda Bernard Shaw (pelo estilo), mas prefiro o contemporâneo Oscar Wilde (pelo estilo e pelo resto). Aliás, sempre preferi —e minhas mudanças foram bem menos radicais. Os autores que amei na juventude —Mark Twain, Wilde, Wodehouse, Evelyn Waugh— sempre estiveram na melhor estante.

E houve mudanças no pódio: entre os lusos, Eça de Queirós é agora medalha de prata (o ouro vai para Camilo Castelo Branco, bicentenário neste ano).

E em política?

Julian Barnes confessa que já votou nos trabalhistas, nos liberais, nos conservadores. E questiona se foi ele quem mudou ou se foram os partidos que mudaram.

Eu, confesso, nunca fui tão elástico. Meu ceticismo começou lá atrás e, até o momento, ainda não me abandou. Só abrandou, ou seja, estou mais liberal do que conservador. A escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís (medalha de bronze) dizia que nascera adulta e que iria morrer criança. Quem sabe? Talvez aconteça.

As melhores páginas do ensaio, porém, lidam com o tempo, a idade e a finitude. Julian Barnes relembra: na infância, o tempo não existia ou existia em excesso, sob a forma de um tédio aterrador.

É um mal de que nunca padeci: na infância, o tempo tinha a duração ideal —os dias eram longos e proveitosos, as férias ainda mais.

Na idade adulta, a única alteração foi para pior: o tempo passa rápido ou, então, rapidíssimo. E fica tudo por fazer.

Sobre a velhice e a morte, Julian Barnes, beirando os 80, não tem ilusões: a velhice não é um eufemismo (“os 80 são os novos 60” etc. etc.) e a morte será um ponto final sem prorrogação eterna.

Com menos 30 anos, não consigo ser tão definitivo. Mas envelhecer, ao contrário do que pensava e temia, tem sido uma bênção para mim, mesmo que o corpo diga o contrário.

Há coisas que mudam. Há coisas que não mudam. A primazia do amor, a primazia da arte, a primazia da literatura —essa trilogia manteve-se inalterada em Julian Barnes. Exatamente por essa ordem?

Não sabemos. Mas é uma lista respeitável, que eu endossaria facilmente —não fosse por uma ausência imperdoável: a primazia do humor.

A sabedoria popular está errada. Quem ri por último não ri melhor.