O Conselho Federal de Medicina tem se mostrado inclinado a servir de braço ao bolsonarismo. Nas eleições para 54 conselheiros titulares e suplentes em 2024, figuras abertamente bolsonaristas foram eleitas, entre elas um conselheiro autointitulado “anti-Lula” por São Paulo, autor de uma resolução do CFM que limitava temporalmente a realização do aborto em caso de mulheres vítimas de estupro, eleito pelo Rio de Janeiro, e outra conselheira que comemorou a invasão de 8 de janeiro eleita pelo Distrito Federal.
É no contexto de um Conselho Federal de Medicina curvado ao espectro bolsonarista que deve ser lida a nova resolução do CFM que proibiu o bloqueio hormonal para mudança de gênero em criança e adolescentes e que eleva a idade para cirurgias de transição.
Que fique claro que a norma antitrans no CFM não tem nada a ver com saúde desta população —pelo contrário, vai prejudica-la gravemente; pessoas trans são apenas o meio pelo qual parte da elite política-profissional médica mostra quais botinas está disposta a beijar ao subscrever ao extremismo.
E a que custo? Primeiro, a custo da ciência: não há evidências empíricas de um aumento de “destransição” em pessoas que passam pelo tratamento hormonal de todo modo reversível ora proibido pelo CFM (o dado é de menos de 1% em um estudo de 2021). Segundo, a custo da dignidade humana: quem já se entende como uma mulher trans precisará esperar dos 16 até os 18 anos para a terapia hormonal, ou seja, verá a voz engrossar e pelos cresceram num corpo que não mais reconhece e terá de esperar até 21 anos (e não mais 18) se optar por cirurgia.
Não deixa de ser contraditório que uma entidade médica cujo juramento profissional solene inclui guardar o máximo respeito pela vida humana seja cooptada por um grupo político que zombou de pacientes sem ar na pandemia, que desconsidera evidências científicas e que é instrumentalizada por um líder prestes a ir para a cadeia por uma tentativa de golpe de Estado que, se bem-sucedida, levaria a dor e sangue.
Contraditório, sim, mas uma realidade posta.
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