É da ordem dos astros e dos astronautas, e também dos generais. No rastro da megamostra de Andy Warhol que entra em cartaz nesta semana no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, a Pinacoteca abre no fim de maio a sua maior exposição do ano. É um mergulho profundo na vastíssima produção do país que flertou com as cores lisérgicas do pop americano e também do britânico, só que com um toque de ditadura.
Historiadores, de fato, divergem. Uns ficam do lado da trincheira da nova figuração, outros não têm dúvidas em chamar de arte pop, mesmo que tropical, aquilo que aconteceu na arte do país nas décadas de 1960 e 1970. Em resumo, um retorno às formas reconhecíveis depois da avalanche geométrica do concretismo e o uso exacerbado, para não dizer exuberante, de cores para retratar tanto as estrelas quanto os buracos negros, tanto as vítimas quanto os algozes.
São 300 trabalhos num diálogo que se estende por nove alas. Os homens, reflexo daquele tempo, dominam. Há clássicos de verdadeiros mestres, como Antonio Manuel, que se apropriou da estética dos jornais para costurar manchetes tão escabrosas quanto delirantes, Cláudio Tozzi, que retratou astronautas e presos políticos num choque entre o escapismo e os porões da ditadura, Hélio Oiticica e seu apelo à marginalidade heroica, Geraldo de Barros e seu caubói tragando um Marlboro, Artur Barrio e suas trouxas de carne ensanguentada.
Mas a ala feminina, embora menor, não deixa a desejar. Lá estão Anna Maria Maiolino, espelhando os desmandos de nossa distopia equiparada a um aparelho digestivo, Anna Bella Geiger atacando o aparato estatal da barbárie, Wanda Pimentel enchendo de tesão tecnicolor os interiores burgueses, Judith Lauand camuflando o temor à morte em beijos coloridos que lembram anúncios de perfume, Lygia Pape pedindo para ser devorada em arroubos gulosos.
Isso porque o desejo atravessa tudo, mesmo o cenário da mais aguda desesperança. O pop brasileiro, distante da provocação em busca da essência da imagem e sua circulação à luz do show business, da publicidade e da sociedade de consumo, pilares que marcaram a arte pop de Warhol e companhia, foi um respiro de cor que escapou pela tangente da perseguição aos artistas na ditadura militar.
É o truque de espelhos que põe nossos ícones, de Roberto Carlos a Sônia Braga, como reluzentes cortinas de fumaça diante do horror, falsos brilhantes que seduzem na superfície e nos engolem para dentro de um show de horrores. É dormir com o inimigo.
Os trabalhos da mostra, que acontece no aniversário de seis décadas de outras exposições que primeiro identificaram esse novo espírito na arte do país, como “Opinião 65”, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e “Propostas 65”, no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado, tem peças das principais coleções do país. Também está ancorada no acervo deixado pelo empresário Roger Wright, entusiasta do pop, que hoje pertence à Pinacoteca.
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