Se algo acontece uma vez, é um fenômeno pontual. Se acontece duas, é uma tendência. Então, já dá para dizer: Trump afundar a direita nas eleições de outros países já é uma tendência.
Primeiro foi o Canadá. Depois de dez anos de governo do Partido Liberal de Trudeau, que deixou o governo altamente impopular, a vitória parecia certa para os conservadores. Inexplicavelmente, Trump começou a insultar o Canadá, repetindo que deveria se tornar um estado americano. Bastou ao Partido Liberal (esquerda) colocar o moderado Mark Carney na liderança para a opinião pública dar a eles mais um mandato.
Na Austrália, no dia 3 de maio, algo similar. Segundo as pesquisas, havia equilíbrio entre os trabalhistas (esquerda) e os nacionais-liberais (direita), liderados por Peter Dutton —apelidado de “Mini-Maga” e admirador do presidente americano. Ocorre que essa admiração não pegou nada bem quando o caos trumpista se instalou na economia global. Os trabalhistas aumentaram sua maioria no Parlamento e Dutton sofreu a humilhação de perder seu assento.
Canadá, Austrália; qual será a próxima? O conclave? Não que não haja exceções. A eleição nacional na Romênia, retomada agora em maio depois de ter sido anulada no ano passado sob alegações de interferência russa, deu uma vitória confortável ao candidato nacionalista, admirador de Trump e de Putin, que agora segue para o segundo turno. Talvez o efeito Trump seja esse: deixar claro o que está em jogo. O tipo de mundo que ele quer promover é o mundo de Putin. E isso é profundamente antagônico à direita capitalista padrão do Ocidente.
Tão danoso quanto o que Trump quer fazer é o como ele tem feito. O protecionismo não é uma boa ideia econômica, mas poderia ser implementado com muito menos disrupção. Uma coisa seria declarar tarifas uniformes para bens importados; teria algum custo, mas a economia rapidamente se adequaria à nova realidade. Outra coisa é a absoluta confusão atual, com tarifas diferentes para cada caso e que não duram mais de uma semana. A imprevisibilidade é devastadora.
Enquadrar a China é uma posição plausível; bem sabemos que ela tem ambições expansionistas, não respeita direitos humanos e não teve boas práticas no comércio internacional. Mas, se esse é o objetivo, o caminho seria unir o mundo todo —em especial o mundo democrático— para pressioná-la. Trump fez o contrário: comprou briga com seus próprios aliados, o que fortaleceu a posição chinesa. China, Japão e Coreia se sentam para retomar discussões de livre comércio.
A princípio, a eleição de Trump deveria energizar a direita global. A confusão, a corrupção sem disfarces, a lei do mais forte, o rebaixamento de nossos valores mais caros como verdade, cooperação e bem comum, têm tido o efeito contrário. O discurso pró-democracia e direitos humanos muitas vezes é hipócrita? Sem dúvida. Mas um mundo que descarte esses valores não será melhor para nós…
Aqui no Brasil muitos na direita celebraram a vitória de Trump. Agora que estamos taxados e que a China e a União Europeia nos abrem os braços para relações mais estreitas, não tenho visto o bonezinho Maga por aí. Não sei se é previsão ou torcida, mas quem sabe o gostinho do extremismo mostre ao mundo o valor da moderação.
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