A anti-propaganda, iniciativa da Tressemme para divulgar um produto que acaba com o frizz por 72 horas, acaba sendo um tratado de comportamento feminino em frente ao espelho. Sabrina pergunta se a cantora sabia que, no Brasil, muita gente diz que acordou com o cabelo da Bethânia. “Por que acordaram livres?”, retruca a baiana sem mudar a expressão facial.
Não era bem isso o que significava para mim na adolescência ouvir ter o “cabelo da Bethânia”, quando os cachos ousavam ficar naturais depois de uma chuvinha. Atire o primeiro fichário a jovem dos anos 1990 que não corria da água na saída da escola para evitar que a chapinha ficasse em risco. Foram anos (décadas?) até que eu entendesse o que Bethânia sempre soube: o cabelo existe ali, do jeito que é. E eu nunca terei os fios perfeitamente alinhados da Sabrina.
Um produto que segura o frizz por 72 horas, me pego fazendo cálculos se vale a pena. Bethânia garante que não: nem por três dias, nem nunca que ela vai domar a si mesma desse jeito. De dica de beleza para filosofia da boa —cada uma com a aparência que lhe transmitir verdade.
“Deve dar trabalho um cabelo assim tão… sem nada”, diz minha ídola, educadíssima, mas debochada, para a apresentadora. Ela está se referindo ao frizz e, ao mesmo tempo, questionando a graça de não ter aquilo que chamam por aí de defeito. Sabrina se inclina no sofá onde está sentada de tanto rir. É isso mesmo, dá muito trabalho, ela sabe, mas mesmo sabendo deve passar mais tempo sendo esticada por quem cuida de seus fios.
O assunto rende. Aceitar a textura que é maioria no Brasil é mais complexo do que deveria ser. Tem a ver com racismo, tem a ver com eurocentrismo, tem a ver com modelo de beleza americano. O que se chama hoje de ondulado Giselle, citando a modelo brasileira, não tem um fio fora do lugar. Não é bem assim que cresce cabelo na cabeça da brasileira comum. O meu é esse caos com vontade própria. Não domo mais, mas também não deixo de sentir um pouco de culpa por ser como sou. Foi assim que aprendi e nem todo mundo tem a segurança de Maria Bethânia.
Mas é ruim ter vontade própria? De quem é a vontade de que meus fios sejam arrumadinhos se eles, por natureza, são assim?