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Belchior se tornou mais célebre após morrer – 25/04/2025 – Gustavo Alonso

Belchior morreu em 2017. Neste 30 de abril completam-se oito anos de seu falecimento. Depois de sua morte, o cantor paradoxalmente ganha ouvintes, mas não resgate artístico.

Entre 1976, quando lançou o disco “Alucinação”, e 1980, quando gravou o LP “Objeto Direto”, o compositor de voz marcante e letras imbricadas viveu seu auge. Foi o período em que grandes clássicos da MPB surgiram sob sua pena: “Apenas um Rapaz Latino-Americano”, “Como Nossos Pais”, “Paralelas”, “Mucuripe”, “Divina Comédia Humana”, “A Palo Seco”, “Medo de Avião”, “Alucinação”, “Velha Roupa Colorida” e “Fotografia”.

Depois desse auge, o artista viveu a decadência paulatina. Cansado de cantar sempre as mesmas grandes canções, o artista foi se sentindo oprimido pela máquina do show business. Os shows rarearam, boicotou-se a si mesmo. Os CDs de canções inéditas que ninguém queria ouvir ficaram nas prateleiras.

Nos anos 2000 Belchior entrou em parafuso após se envolver num relacionamento amoroso conturbado e se endividar com contratantes e empresários. Sem cumprir as obrigações básicas de um cidadão normal, como pagar impostos e pensões a filhos, desapareceu subitamente. Foi aí que uma parte da sociedade voltou a prestar atenção em Belchior, menos pelas suas canções e mais por curiosidade sensacionalista.

Reapareceu no sul do Brasil em uma entrevista ao Fantástico em 2009, negando que estivesse passando maus momentos. Mas até o fim da vida Belchior e sua então companheira Edna Prometheu viveram situações horríveis. O casal passou frio e fome nos invernos rigorosos do Brasil e Uruguai, até serem salvos por mecenas benevolentes. Morreu de aneurisma na aorta quando morava de favor, em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul.

Depois de sua morte, a arte de Belchior voltou a ser admirada. Mas será que o que interessa hoje é de fato sua arte? Ou o interesse seria pelo Belchior museificado, contra o qual ele próprio sempre lutou?

O interesse acerca de sua música ainda é restrito ao período de 1976 a 1980, época pela qual ele já tinha sido reconhecido no passado. Sua grande lástima era que sua obra posterior não era levada a sério.

Como artista petrificado, Belchior foi transformado em ícone, um cânone. O morto é sempre mais conveniente pois não atrapalha a divinização em torno de si. Sua biografia está concluída, pronta para ser laureada, sem arranhões que um vivo ainda pode produzir. Em 18 de maio de 2018, um mês depois de sua morte, foi criado o Centro Cultural Belchior em Fortaleza. Hoje contam-se 16 livros à venda no mercado editorial nacional que levam o nome do artista no título.

O melhor deles é “Viver é Melhor que Sonhar: os últimos Caminhos de Belchior”, escrito por Chris Fuscaldo e Marcelo Bortolotti, publicado em 2021. Longe de divinizar o cantor, os autores refazem seus últimos anos de ostracismo e viagens, numa espécie de “road book” de tirar o fôlego. Vale ler.

E também vieram as homenagens musicais, essas quase sempre muito laudatórias. Após seu falecimento em 2017, a gravadora Warner lançou o box “Tudo Outra Vez”, com seis álbuns de seu período áureo (1974-1982), mantendo nas sombras o que o artista tanto queria que fosse valorizado.

Após a morte, Belchior foi incorporado pelos identitários musicais, ganhando ares de militância de raça e gênero nas vozes de Emicida, Majur e Pabllo Vittar. Eles lançaram a canção “AmarElo” em 2019, que resgatou os versos “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”, sample da música “Sujeito de Sorte”. Mais do mesmo.

A cantora Ana Cañas também foi na mesma linha. Em seu disco tributo de 2021, as canções resgatadas são as mesmas do período áureo do compositor. Nada de novo no front.

Os idolatradores do passado, que vivem “como nossos pais”, estão mais vivos do que nunca. Amam o passado e não veem que Belchior continua sendo o mesmo morto mumificado de sempre.


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