Pular para o conteúdo

Bahia: cemitério de escravizados reconta história do negro – 21/05/2025 – Tom Farias

Após 190 anos desde a Revolta dos Malês, sublevação de 600 escravizados que movimentou a cidade de Salvador, na Bahia, no século 19, um achado importante traz nova luz a um dos acontecimentos mais marcantes da história dos levantes negros no Brasil.

A arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, aluna do programa de doutorado em Urbanismo da UFBA (Universidade Federal da Bahia), descobriu, por intermédio de suas pesquisas, os vestígios de um cemitério de pessoas escravizadas no estacionamento da Pupileira, no bairro de Nazaré, região que abriga hoje a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, um museu e uma faculdade e que, no passado, foi o endereço do Asilo de Nossa Senhora da Misericórdia, conhecido por Asilo dos Expostos, criado em 1726. O nome “Pupileira” surgiu na década de 1930 e faz referência ao termo “pupilo”, que significa internato ou espécie de creche.

Segundo o levantamento, no local podem estar os corpos de líderes mortos nas chamadas “revoltas negras”, como a Malê, Revolta dos Búzios e a Revolução Pernambucana, massacradas pelas forças policiais nos anos de 1835, 1798 e 1817, respectivamente. O cemitério, ativo por cerca de 150 anos, recebeu restos mortais de aproximadamente 100 mil pessoas, entre escravizados, indígenas e pessoas que não tinham meios de pagar enterro, constituindo o maior já localizado após o descobrimento do Cemitério dos Pretos Novos, em 1996, na zona portuária do Rio de Janeiro, perto do Cais do Valongo.

As escavações, autorizadas pela Santa Casa de Misericórdia e supervisionadas por técnicos do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), tiveram início quarta-feira (14), na semana do aniversário de 137 anos da abolição da escravatura no Brasil e da execução dos mártires das conjurações baianas.

A doutora Lívia Sant’Anna Vaz, promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, é uma das autoridades que tem supervisionado o início das escavações, precedida de um ato interreligioso, com a presença de representantes de religiões africanas. Ela destacou que “esse processo é fundamental para que possamos promover justiça reparatória, em suas diversas dimensões”, para que se possa “desenterrar, revisar e recontar a história do Brasil”.

“A descoberta de um cemitério dessa magnitude comprova a narrativa de que a escravidão moderna foi o mais grave crime contra a humanidade de que se tem conhecimento. E não podemos esquecer que o Brasil foi o maior país escravocrata do mundo, não apenas em termos quantitativos —com cerca de cinco milhões de pessoas africanas escravizadas—, mas em termos temporais, pois foi o último país do Ocidente a declarar abolida a escravidão. O nosso presente de desigualdade e injustiça racial é reflexo direto desse passado. Nenhum país é capaz de construir uma democracia efetiva e pluriversal enterrando a própria história.”

A localização desse sítio arqueológico tem trazido grandes expectativas para o movimento negro baiano e brasileiro, pela dimensão de sua reparação e a possibilidade de dar enterramento condigno aos mortos da tragédia que foi a escravidão, em respeitos aos mortos e à sua ancestralidade.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.