Na manhã de segunda-feira (29), eu estava na cidade de Palmela em uma reunião com a Comissão de Trabalhadores da AutoEuropa, uma das mais importantes fábricas da Volkswagen no continente europeu, responsável por mais de 1,6% do PIB português. No meio da conversa, a luz falhou. Primeiro achamos que o evento era local, depois soubemos que Lisboa e Porto também estavam sem eletricidade. E afinal era todo o Portugal continental. E também a Espanha inteira, e uma parte da França.
Por acaso, a fábrica não estava em atividade plena. Se estivesse, as perdas teriam sido de vários milhões de euros durante as doze horas do apagão. O mesmo vale para todas as empresas e atividades econômicas que foram afetadas numa península de mais de 50 milhões de habitantes, altamente integrada na economia da União Europeia.
Felizmente, o apagão, cujas causas são ainda desconhecidas à hora a que escrevo, não provocou vítimas. Mas foi um gigantesco teste prático sobre o que acontece a uma sociedade altamente dependente de energia, comunicações e tecnologia quando tudo isso falta. O resultado desse teste é que a sociedade civil se comportou com civismo e coesão. Mas as coisas poderiam facilmente ter sido muito piores.
Numa Europa nervosa com as possibilidades de eventos climáticos extremos, desinformação, pandemias, sabotagens ou guerras híbridas, o debate sobre como preparar as nossas sociedades para estas situações é muito recente.
No fim do ano passado, foi apresentado às instituições europeias o chamado Relatório Niinistö, de autoria de um ex-presidente finlandês, que faz as primeiras sugestões práticas sobre planejamento, preparação e prontidão à escala europeia (com o fantasma de Vladimir Putin no horizonte, e agora de Donald Trump, é claro). A resposta dada pelo relatório é que as sociedades são mais resilientes quando há uma divisão de tarefas entre a população e as autoridades.
Uma das recomendações, por exemplo, é que todas as famílias tenham em casa víveres, água, rádios e outros produtos necessários à sobrevivência durante pelo menos três dias, até que as autoridades tenham lidado com a emergência em questão, antes que se possam ocupar dos indivíduos que não sejam vulneráveis.
A ideia de “kits de sobrevivência europeus” foi bastante criticada por quem acha que se trata de puro alarmismo. Mas a verdade é que na segunda teriam sido úteis a portugueses e espanhóis. E se a crise tivesse durado mais, eles teriam sido cruciais.
Mas a aquisição e manutenção desse tipo de materiais não é igual na Escandinávia, onde o poder de compra é alto, e na Península Ibérica, onde muitas famílias não têm disponibilidade financeira para enfrentar imprevistos. Se as autoridades querem que a sociedade civil seja resiliente, vai ser preciso prever o armazenamento e distribuição desses kits a quem mais deles necessita.
A integração europeia não é apenas um chavão. Ela é cada vez mais real, década após década, tema após tema. Na Escandinávia, as boas práticas incluem a distribuição de milhões de livros de instruções de sobrevivência por todas as casas. Depois do susto desta semana, não surpreenderá que os ibéricos queiram também ser um pouco mais escandinavos.
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