Escrevo este texto no meio de uma pequena viagem que tem um quê de peregrinação, de nostalgia por tempo e lugar que nunca tive, mas sinto meus.
Fui convidado pelos organizadores e pela editora Tinta-da-China Brasil a participar no Festival Literário Internacional de Poços de Caldas, evento anual que este ano celebra sua 20ª edição. Ocasião para desfrutar da feira do livro e da rica programação de debates. E para ter um papo leve e descontraído com o público em torno do meu livro “Histórias da Matemática”, mediado com talento e simpatia por Silmara Louise, professora das redes públicas da cidade e medalhista de ouro da primeira Olimpíada do Professor de Matemática no Ensino Médio.
Agora, a vontade de conhecer Poços de Caldas era antiga e começou de outra direção: a matemática. Explico.
Recém-criado, em 1952, o Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) logo decidiu promover um encontro de âmbito nacional para congregar a comunidade matemática e impulsionar o avanço da disciplina no país. Na semana de 24 a 28 de julho de 1957, nascia o Colóquio Brasileiro de Matemática, que até hoje é realizado a cada dois anos, na última semana de julho dos anos ímpares.
Decisão histórica: não é exagero afirmar que a comunidade matemática nacional se constituiu ao redor do Colóquio. Praticamente todos os livros avançados sobre o tema escritos no Brasil começaram como notas de cursos ministrados no evento.
E durante três décadas o Colóquio aconteceu em Poços de Caldas. Mérito do meu querido amigo Lindolpho de Carvalho Dias, posteriormente diretor do Impa por mais de 20 anos, que é da região e sempre conseguia boas condições para alojamento do evento no Palace Hotel e Palace Casino. Os meus colegas e a equipe do Impa falam com saudade desses tempos tranquilos em que o Colóquio durava até três semanas, “os homens desciam para o jantar com terno ou blazer”, e os participantes confraternizavam no “friozinho do serão de Poços de Caldas”.
Mas, à medida que a matemática brasileira crescia, o encontro também mudava, crescendo e ficando cada vez mais internacional. Enquanto a foto de grupo de 1957 mostra 40 pessoas (cinco mulheres), a edição mais recente (2023) teve 1.435 inscritos! E uma hora o Colóquio não cabia mais no seu berço. Após a edição de 1985, foi transferido para a sede do Impa, no Rio de Janeiro, onde vem acontecendo desde 1987.
Agora, adivinhem, caro leitor e querida leitora, em que ano eu voltei ao Brasil para começar o doutorado no Impa? Isso mesmo, em 1986! Dá para acreditar?
Só me restou escutar com um sorriso e um tiquinho de inveja a saudade dos colegas. E me dizer que mais cedo ou mais tarde eu visitaria o lugar e reconstruiria mentalmente o tempo. Demorou mais do que imaginei: embora existam muitas excelentes razões para visitar Poços de Caldas, a ocasião não tinha surgido. Até hoje.
Reconstruir o tempo é a parte difícil. Mas que deu um arrepiozinho estar nas escadinhas em que, 68 anos atrás, os 40 pioneiros da matemática brasileira tiraram aquela foto histórica, eu garanto que deu.
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