A ideia de que vivemos em tempos sombrios faz supor que a humanidade já conheceu algum período solar. É uma ilusão reconfortante. A vida nunca foi fácil para nós desde que adquirimos a capacidade de reconhecer nossa finitude e a obrigação de inventar um sentido para nossa existência. A falácia de um passado glorioso serve de munição para os piores empreendimentos.
O exemplo mais recente —e desastroso— é o slogan fascistoide de Trump que termina com a palavra “again”. Trazer de volta é o truque dos enganadores, que oferecem a restauração do amor perdido ou o elixir da eterna juventude. A água desse rio que chamamos tempo só corre em uma direção; quem promete o contrário é sacana.
Para vender um passado idílico, é preciso primeiro editar a memória, apagando o que for inconveniente, e depois supor universal uma experiência que é, na verdade, privilegiada e particular. Quem viveu bem durante a Ditadura porque era jovem, tinha um amor e um trabalho só consegue defender aquele tempo ignorando as prisões arbitrárias, a censura e a tortura institucionalizadas. A juventude só parece o máximo para quem consegue esquecer a angústia que lhe é inerente.
Nunca houve um tempo em que a humanidade não estivesse mergulhada em guerras, desastres naturais e medos apocalípticos. Como lembra Ailton Krenak, o fim do estilo de vida indígena começou há 500 anos, com a chegada dos brancos. Se o coro dos descontentes parece ter engrossado agora, é porque a água —ou a ameaça de sua falta— alcançou aqueles que se julgavam inabaláveis.
A enxurrada de informações contraditórias nos mantém em sobressalto permanente, prontos para ceder ao cinismo que serve de combustível para a necropolítica. Quem lucra com a devastação agradece nossa desistência. Enquanto isso, os jovens —essa usina inesgotável de insatisfação promissora— recusam o heroísmo vazio. Em vez disso, apostam em algo menor: cuidar do mundinho. Não por fé na redenção, mas por descrença na grande marcha do “progresso”, que nunca salvará ninguém.
Cuidar de si e dos que estão ao redor, encampar gestos solidários, reduzir danos no cotidiano: pequenos atos de teimosia diante do colapso. Eles estão na passeata contra o shopping conivente com o racismo, nos grupos de apoio a jovens sob a mira do Estado, em empresas que sabem que o lucro sem limites leva ao fim coletivo. Estão representados em movimentos como A Resposta Somos Nós (arespostasomosnos.org), onde a resistência não é entendida como glória, mas como urgência.
A promessa revolucionária —de virada súbita e definitiva— perdeu sua potência. Quem antevê um futuro globalmente ameaçado não aposta mais em utopias, mas luta pela desaceleração e por pequenas conquistas. Reduzir danos: esse é o máximo a que podemos aspirar. É nesse campo minado que os jovens se movem, cientes de que fazer bravatas em nome da humanidade enquanto se sacaneia o vizinho é o retrato perfeito do nosso fracasso civilizatório.
Se ainda há algo a aprender com quem já viu o céu cair —como bem nomeia Davi Kopenawa—, é que os povos originários nunca deixaram de tratar seus conterrâneos como parentes e seus sonhos como guias.
Se quisermos salvar o mundinho a nosso alcance, precisamos conhecer sua expertise.
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