Sem dúvida, o papado de Francisco foi um grande contraponto à ascensão de lideranças de extrema direita e regimes autoritários. Seu legado para a Igreja Católica e para o mundo foi de extrema importância para a defesa das igualdades e para a ampliação das vozes do Sul Global dentro da Igreja, vindas da Ásia, África e América Latina.
Atualmente, a América Latina está na liderança no número de fiéis com mais de 40% dos católicos do mundo, e o Brasil segue sendo o país com o maior número absoluto, com 182 milhões devotos, o maior rebanho do mundo.
Não à toa, dentre os líderes religiosos mais influentes do país estão padres católicos. O padre Fábio de Melo é o mais popular de todos, com 26 milhões de seguidores no Instagram, seguido pelo padre Marcelo Rossi, com 10,3 milhões, mesmo número de seguidores do perfil oficial do papa Francisco.
Porém, ao contrário do papa Francisco, Fábio de Melo e Marcelo Rossi jamais se posicionaram abertamente contra o crescimento da extrema direita no país. Sem citar nomes, o papa disse, durante as eleições de 2022: “Peço a Nossa Senhora Aparecida que proteja e cuide do povo brasileiro, que o livre do ódio, da intolerância e da violência”, causando descontentamento entre eleitores do ex-presidente de extrema direita.
É justamente a oposição aberta ao papa Francisco que aglutinou e mobilizou setores da extrema direita católica no país nos últimos anos. De acordo com o teólogo Venâncio Romero, professor da Universidade Federal do Sergipe, a expansão das redes sociais, em conjunto com o abandono da formação de base e da piora da qualidade da preparação do clero brasileiro, influenciou a popularização da extrema direita católica no país e a atração de padres pelo tradicionalismo.
Para além de figuras populares nas redes sociais, como o padre Paulo Ricardo, que já soma 2,5 milhões de seguidores no Instagram, movimentos como os Arautos do Evangelho vêm crescendo rapidamente. Fundado em 1999 por João Clá Dias, o grupo está ligado à Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição Família e Propriedade, mais conhecida como TFP, que atuou em prol do golpe de 1964 e da ditadura militar no país.
Em 2011, os Arautos passaram a ser uma associação com caráter pontifício, aceitos pelo papa Bento 16 em 2011, mas que estavam sob intervenção do papa Francisco por conta do tratamento dispensado a seus internos. Os jovens que integram os Arautos do Evangelho usam pesadas vestes medievais a despeito do clima tropical e já foram alvo de agressões físicas, verbais, assédio sexual, alienação parental, tortura, estupro e até homicídio, segundo uma série de denúncias junto à Igreja e à Justiça brasileira.
Porém, a ampla exposição negativa na mídia e o conflito com o Vaticano parecem não ter tido maior impacto na atuação dos Arautos, que hoje já possuem 3.000 membros e já se espalharam por mais de 70 países.
No clima político atual, o crescimento de seitas como os Arautos do Evangelho tornou-se uma questão séria a ser enfrentada pela Igreja e pela sociedade. E a escolha do próximo papa pode fazer a diferença entre um futuro mais ou menos parecido com a distopia escrita por Margaret Atwood, “O Conto de Aia”. Basta uma visita à sede dos Arautos do Evangelho para confirmar que a comparação está longe de ser exagerada.
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