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Bebês reborn e o fim da humanidade – 01/05/2025 – Tati Bernardi

Aproximadamente 4.000 mil anos antes do primeiro adulto reborn da história (Cristo), humaninhos já brincavam com bonecas. Enquanto elas eram feitas de argila, pano, louça, plástico ou silicone, parecia estar tudo bem. O problema é que agora, ultrarrealistas, os bebês reborn não servem apenas para estimular a fantasia e a criatividade infantil ou auxiliar adultos com questões traumáticas e cognitivas. Eles existem para que eu deseje falecer toda vez que um amigo perplexo me envia um chá revelação de bebê reborn ou um mesversário de bebê reborn. Tudo aquilo que já era suficientemente estúpido quando se tratava de fetos ou crianças de verdade.

O que leva uma senhora, em boas condições mentais, a simular uma barriga de grávida, preparar uma mochila com roupinhas, deitar-se em uma maca, pedir para uma amiga igualmente avariada ligar a câmera e parir, num misto de dor e comprazimento, um monte de silicone e vinil?

Melhor mesmo que essa moça cuide de uma boneca e não de uma criança de verdade. Talvez devêssemos, inclusive, defender a maternidade reborn. Talvez fosse necessário que os pais passassem por um exame psicotécnico específico antes de engravidar. Talvez ninguém passasse nesse exame. Talvez todos nós devêssemos ter bebês reborn. Talvez a humanidade nem devesse existir —e assim não ficaríamos tão magnetizados por seres irreais e surreais com bonecos realistas. Talvez a humanidade, de fato, já nem exista, se pensarmos em recursos hídricos.

Já não basta aos brasileiros a sensação de “fascismo reborn”, com a volta do Trump ou do boletim médico do Bolsonaro, e agora precisamos lidar com a jovem que levou o seu bebê reborn às pressas para o pronto-socorro. Pensei que era porque ele não estava respirando, mas eram cólicas.

Se for tratamento terapêutico ou decorrente de feridas emocionais profundas, eu entendo. Tenho uns cinco paus reborn na mesinha de cabeceira porque fui muito traumatizada por vívidos corpos cavernosos. Lacan ficaria orgulhoso ao ver que, diante da minha interpretação simplória de que eu não existo, o sexo com o outro não existe, e nem o meu desejo é meu desejo (mas sim o desejo do outro), eu achei melhor comprar um objeto que custa dinheiro, vem numa caixa e carrega na tomada. A palavra “palpável”, além de tudo, me parece um belo ato falho da linguagem.

Mas meus “nenéns” de silicone vibram por mim —mesmo quando descobrem que eu ganho mais dinheiro do que eles. Eles têm variadas funções, tamanhos, estimuladores, sugadores. O que o seu faz por você, além do risco de você virar uma influencer de maternidade reborn?

A influencer de maternidade reborn não é uma pessoa vil como a influencer do jogo do tigrinho, nem desprezível como a influencer que emprega bebês de verdade em publis milionárias de mãezinha do bem. Mas é o tipo de gente que nos causa aquele pensamento: “nossa senhora, eu prefiro gente escrota a isso aqui”.

Uma moça teve 116 milhões de visualizações ao fazer o parto de gêmeos reborn. Dentro desse número, quantas são as pessoas zoeiras e quantas são as emocionadas? Quantos são os terapeutas winnicottianos curiosos em decifrar como a máxima “o bebê não existe” pode ser interpretada em 2025, e quantos são os adultos que pagam até R$ 5.000 por um filho que não chora? Quem souber o número, não me conte.


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