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Pornografia é a grande psicotecnologia dos nossos dias – 01/06/2025 – Álvaro Machado Dias

Eu sempre desconfiei da tese de que a meninada de 11 a 17 anos extrai das redes sociais todos os nutrientes necessários para a produção de sua dose diária de angústia digital. O que foi se tornando claro com o tempo é que parte da azáfama é consequência do fato de que mais de 40% desses jovens consumem ou “são expostos” à pornografia —um gênero em que um homem dá um tapa na cara de uma mulher e ela invariavelmente diz: “Quero mais”.

O menino pensa na agressividade e potência necessárias para exercer esse papel e conclui: “Estou perdido”. A menina pensa na tolerância para se submeter ao que mais lhe parece um estupro e conclui algo pior. Assim, toda uma educação sexual às avessas é colocada em curso.

O sexo como representação do poder de subjugar é a derradeira fonte da assombração digital, muito além da última dancinha do TikTok. Sua base é parcialmente ideológica: ao insuflar animosidades, o pornô trabalha a favor do neoconservadorismo, o qual se alimenta de dicotomias bem delimitadas e de representações estereotípicas, como a da mulher submissa.

Machosfera, incels, a série “Adolescência”, tudo isso tem como pano de fundo o fantasma da pornografia, que adquire papel formativo sob a égide da mais extrema caretice.

Porém, é preciso não superestimar o papel moralizante das perversões nas dinâmicas de consumo midiático —nossos predecessores já mostraram como errar fazendo isso. Mais importante é o fato de que relações afetuosas, assim como o erotismo, quase não dão cliques.

O custo energético do clique faz com que a audiência só se mobilize em relação àquilo que gera reações viscerais, para o bem e para o mal, e esses conteúdos são privilegiados pelos algoritmos, os quais são treinados para maximizar o engajamento pois é ele quem agrada os anunciantes.

O resultado é que as encenações mais extremas e mesmo problemáticas (por exemplo, “madrasta” é um dos trending topics do Pornhub) tornam-se as mais reproduzidas, dessensibilizando as pessoas por um processo análogo ao que levou os discursos de ódio ao topo do ranking do Instagram, deixando para traz as fotos de gatos. Essa é uma das razões para o sexo real estar declinando.

A base utilitária do pornô é composta pelos objetivos de um único fundo, o canadense Ethical Capital Partners, empresa monopolista que alega “produzir resultados com base em valores éticos” e que é dona de todos os grandes canais de pornô do mundo, exceto um.

Parece inusual, mas é o que também se observa no mercado dos encontros casuais, em que o Match Group possui o Tinder e todas as outras plataformas relevantes. São os seus interesses, mais do que as aspirações individuais, que explicam a lógica dos relacionamentos atuais.

A indústria da pornografia se profissionalizou com as paredes do fundo das videolocadoras, explodiu com a sua extinção e arquitetou com sucesso uma epidemia, conforme a vida passou a depender da bateria do celular, criando as condições para a algoritmização cerebral.

Ao contrário das redes sociais, o pornô se beneficia diretamente da melhora continuada das interfaces e da manutenção do isolamento. Seu futuro promete mais, sobretudo a partir do momento em que óculos de realidade aumentada permitirem despir pessoas anônimas pelas ruas e namoradas de silicone com IA tornarem-se mães de exclusivas bebês reborn.


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