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Não há por que dividir as liberdades – 29/04/2025 – Deirdre Nansen McCloskey

Uma jornalista da Folha, Daniela Arcanjo Rodrigues, ao me entrevistar, fez uma pergunta muito boa. Eu não tinha pensado nisso antes, o que mostra como o verdadeiro diálogo é criativo, superando a inteligência artificial. “Por que a ‘liberdade’ se partiu em pedaços?”, perguntou-me.

Os direitistas pensam na liberdade apenas em termos econômicos, como coagir as pessoas eticamente, por exemplo, no comportamento religioso ou sexual. Eles consideram o principal objetivo do Estado esmagar o que veem como mau comportamento ético. Ser muçulmano em vez de cristão, por exemplo.

Os esquerdistas, por outro lado, pensam na liberdade em termos exclusivamente pessoais, como coagir as pessoas economicamente, por exemplo, nas licenças profissionais ou nas tarifas sobre produtos estrangeiros. Eles creem que o objetivo principal do Estado é esmagar o que consideram um mau comportamento econômico. Ser uma empresa, em vez de uma instituição beneficente, por exemplo.

Eu faço uma brincadeira sobre esse contraste com duas palavras iniciadas com “b”. Nos EUA, os republicanos querem deixar a liberdade florescer na sala de reunião corporativa (boardroom), mas esmagá-la no quarto de dormir (bedroom). Os democratas querem o oposto. Este é o ponto da pergunta da jornalista: como as liberdades se dividiram?

Eu comentei que antes do surgimento do pensamento liberal, nos anos 1700, as palavras “liberty” (libertação) e “freedom” (liberdade) significavam apenas “não escravidão”, ou seja, não ser fisicamente coagido por um senhor. Numa época em que todos tinham um senhor, não havia por que fazer distinções entre as formas de liberdade. Se você fosse aprendiz de um mestre carpinteiro, ele poderia surrá-lo por qualquer desobediência a um desejo dele, no trabalho ou na religião. Se fosse uma esposa, seu marido poderia bater em você por descumprir qualquer de seus desejos, sexuais ou econômicos.

Um sinal da chegada do liberalismo foi o declínio do espancamento pelos senhores. Ele veio lentamente. Na Marinha Real Britânica, o açoitamento de marinheiros foi abolido só em 1879. E, é claro, os maiores triunfos iniciais do pensamento liberal foram o fim da servidão na Rússia (1861) e da escravidão nos EUA (1865) e no Brasil (1888). A relação sexual forçada com a esposa foi legal em todos os estados dos EUA até 1974 e não ilegal em todos até 1983.

Mas as liberdades vieram de forma desigual, o que pode ter causado as divisões. A primeira liberdade na Europa foi religiosa, e só veio em plena forma após o esgotamento total das guerras sangrentas desde 1517 contra tal liberdade. Um passo intermediário foi deixar os reis decidirem —”cuius regio, eius religio”, que significa “quem reina define a religião”. A intolerância religiosa ainda ecoa no sentimento antijudaico e antimuçulmano, às vezes transformando-se em lei.

O liberalismo essencial pode ser visto então como tendo surgido com a tolerância religiosa. Nos anos 1700, quando a Escócia deixou de ser governada por calvinistas notavelmente intolerantes, veio a liberdade econômica de Smith. E vice-versa. Em Amsterdã, a liberdade econômica implicava liberdade religiosa.

Liberdade é liberdade é liberdade.

Parem de dividi-la.


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